quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Guerra fiscal

Dentro da lógica neoliberal da competitividade, surgiu a doutrina de que, para atrair empresas e gerar renda e emprego, Estados e Municípios deveriam concorrer entre si, através de renuncia fiscal. A idéia com o tempo perdeu força, mas ainda sobrevive.

Essa idéia perdeu força porque, além de colocar em risco o equilíbrio fiscal do país, a renuncia fiscal é uma ilusão, tanto empresas, quanto para os Estados e Municípios.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que as atividades desenvolvidas pelo setor público, são necessárias ao desenvolvimento econômico. Por exemplo: se há mais empresas na cidade, é provável que existam mais veículos, então é preciso que existam mais ruas e mais manutenção das ruas, dos sinais de transito, da iluminação, etc. O mesmo se pode dizer dos demais serviços, como saúde, educação e cultural.

A presença do Setor Publico é, portanto, necessária ao desenvolvimento da economia e aumentou ao longo do tempo, em decorrência, entre outros fatores, da complexificação da divisão social do trabalho, do desenvolvimento da cidadania e do incremento da urbanização. Essas três tendências estão ligadas entre si e evidenciam um grau cada vez maior de socialização do modo de vida.

A médio prazo, portanto, a renuncia fiscal acabará sendo uma armadilha, tanto para empresas, quanto para o Setor Público, pois implicará num constrangimento à atuação do Setor Público e no conseqüente desequilíbrio na relação deste Setor com a iniciativa privada.

Raciocinando por absurdo, se a renuncia fiscal fosse um procedimento válido, a situação ideal seria aquela em Estado não cobrasse nenhum imposto e, conseqüentemente não prestasse nenhum serviço.

Por outro lado, basta considerar os possíveis desdobramentos da renuncia fiscal para compreender as incongruências contidas nessa solução. Com a queda na arrecadação as alternativas, para Estado e Município, seriam as seguintes:
1- perder receita e degradar serviços públicos, o que se traduzirá, mais sedo ou mais tarde, em queda de produtividade e prejuízo para as empresas;
2- reduzir da arrecadação cobrada das empresas, mas compensar essa redução com o aumento da arrecadação sobre as das famílias, que se traduzirá, mais sedo ou mais tarde, em aumento dos custos de mão de obra e retração do mercado local para as empresas;
3- privatizar os serviços públicos, mas o que as empresas deixarem pagar em impostos, passarão a pagar na compra direta dos serviços privatizados, provavelmente a um preço mais elevado.

Em qualquer uma dessas hipóteses, quando os efeitos negativos se fizerem presentes as empresas já terão realizado seus investimentos e, portanto, não terão como fugir dos prejuízos.

No entanto, para empresas exportadoras, que empregam uma quantia de capital em relação ao trabalho, numa proporção maior que as demais, os efeitos negativos se farão num prazo bem maior. Mas um dia eles chegam, porque ninguém pode ser prospero num ambiente econômico em degradação.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Toda cidade tem memória e cultura.

Da década de 70 do século XX para cá, aumentou a preocupação das cidades com o patrimônio cultural.

Muitas das vezes, essa preocupação tem estado ligada à idéia, bastante difundida, de que o patrimônio é um insumo relevante para as atividades turísticas e que a expansão das atividades turísticas, na contemporaneidade, propicia o desenvolvimento local, com geração de renda e emprego.

Os responsáveis pela gestão urbana passam a se perguntar então: Onde está o patrimônio cultural da nossa cidade? Quase sempre, os gestores, buscam identificar esse patrimônio cultural por parecença; ou seja, procuram em suas cidades casas, ruas, objetos, que possuam alguma semelhança com outros patrimônios de cidades já consagradas.

Porém, essa não é a melhor maneira de tratar a questão. Para responder, de um modo geral, onde está o patrimônio cultural de uma cidade, é preciso responder antes a seguinte questão: Em que consiste o patrimônio cultural das cidades?

Se, entre tantos objetos materiais e manifestações imateriais do mundo, existem alguns que se pode destacar como patrimônio, o que os faz especiais é o papel que podem cumprir como símbolos, com capacidade de representação de identidade coletivas.

Constituem patrimônio cultural de uma cidade, portanto, aqueles objetos e manifestações, que simbolizem aspectos relevantes de trajetória da gente daquela cidade, que representem a identidade cultural da gente da cidade.
Como as cidades diferem umas das outras, na sua trajetória histórica e na sua identidade cultural, é de se esperar que o patrimônio de uma cidade seja diferente do patrimônio de outra cidade. Por isso, não se pode querer identificar o patrimônio de uma cidade por parecença com o de outra, ou por analogia com a fisionomia de cidades já famosas por seu patrimônio.

Ao invés, é preciso olhar para alma de cada cidade para encontrá-lo, o patrimônio.

A alma da cidade é a sua cultura, que decorre do encontro da criatividade humana com os desafios e oportunidades produzidas pelas diferentes trajetórias históricas. Do encontro da criatividade com as diferentes trajetórias nasce a signo-diversidade que, assim como a biodiversidade, é riqueza da maior relevância na contemporaneidade.

Assim como a memória e a cultura de cada individuo se integra a memória e a cultura da sociedade onde ele vive, o mesmo acontece com as cidades. Se considerarmos a cidade como um organismo histórico, teremos que admitir que toda cidade possua uma memória particular e uma identidade cultural própria, mas que está esta integrada a um todo maior: a memória e a identidade existente à escala regional, nacional, ocidental, mundial.

Sendo assim, no mais das vezes, além do que patrimônio associado a sua trajetória histórica e cultura particular, a cidade possui ainda outros objetos materiais e manifestações imateriais que tem valor como patrimônio, para o seu estado, pais ou para o mundo. Esses patrimônios representam valores histórico-culturais que transcendem aos limites de cada cidade.


Num caso ou no outro, é o processo de reconhecimento da memória e da identidade cultural que constitui a referencia a partir da qual a cidade pode reconhecer e preservar seu patrimônio, tornando mais forte a sua alma.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Alguma coisa esta fora da ordem” (Caetano Veloso)

Coerente com o “modelo econômico” de muitos anos, as cidades se desenvolveram promovendo o uso e permitindo abuso do automóvel. Presencia-se diariamente a prática, efetivamente desordeira, de expropriação dos direitos dos pedestres. Calçadas e faixas de travessia são indevidamente invadidas, muitas vezes, inviabilizando a circulação a pé, para não falar nos carros de bebê e nas cadeiras de rodas.

Ontem (25/06/2009), no Centro, entrei na Rua do Rosário, no trecho entre a Avenida Rio Branco e Primeiro de Março. Percebi que havia muitos carros estacionados na calçada, mas resolvi seguir por ela. Então, um desses carros grandes, subiu na calçada avançou na minha direção. O motorista olhava como se eu estivesse fazendo algo errado, mas prossegui firme no meu caminhar. Quase fui atropelado.

Fiquei confuso: estaria realmente caminhando numa calçada ou ali era um estacionamento? Virei na esquina da Rua do Carmo. A primeira metade da calçada fora tomada por um carro, que colocara duas rodas sobre ela, porque não havia espaço para colocar as quatro, dado que a segunda metade da calçada havia sido ocupada pelas grades do edifício da esquina, que transmutara o espaço público em espaço privado.

Aconteceu de novo: uma motocicleta, circulando na calçada quase me atropelou. Passei a caminhar pela parte da rua supostamente destinada aos automóveis. Veio um carro e buzinou indignado. Restava supor que naquela parte da cidade só era permitido andar sobre rodas.

Sentindo-me um estrangeiro em minha própria casa e um tanto desnorteado, prossegui até chegar à esquina com o Beco dos Barbeiros. Ali, um fiscal da prefeitura, apoiado por um policial militar impunha ordem urbana a barraca de um camelô aleijado. Como a cena proporcionava certa comoção aos transeuntes, procurei me informa junto ao fiscal sobre o que estava acontecendo.

Ele esclareceu que a barraca do camelô excedia as dimensões autorizadas (possivelmente algo em torno de 20 cm de cada lado da barraca) e que por isso estava obrigando o camelô a entrar na ordem urbana. Disse tudo com certo orgulho.

O camelô não tinha as pernas, ou melhor, só às tinhas até os joelhos. Por isso se deslocava, de um lado para o outro, com enorme dificuldade e aflição. Quando precisava se dirigir ao fiscal, pessoa de estatura mediana, o camelô tinha que, ao mesmo tempo, olhar para o céu.

Formou-se um quadro absolutamente constrangedor: um homem, que usava sapatos nos joelhos, caminhava aflito de um lado para o outro, tentando adequar a barraca a exigência do fiscal.

Quem estava por perto e via, não gostava. A cena era absolutamente antipática e por todo lado se ouvia o desagrado de quem passava.

A experiência evidenciou um tratamento diferenciado para automóveis e camelôs: “Aos automóveis tudo, aos camelôs a lei”.

Evidenciou também que a política de ‘ordem urbana’, não é populista, não é movida pela busca do apoio popular. Mas, nos dias de hoje no Brasil, apoio popular não é a única coisa que os políticos procuram angariar.

Comentando comentários II

Senhor Mauricio;

Não entendi porque o Senhor se declarou anônimo e depois assinou o cementário. De todo modo o Senhor tem razão.

Os estádios ligados a clubes, como São Januário, no Rio de Janeiro, aparentemente funcionam todos os dias. No entanto, não podemos esquecer que: 1) os estádios dos quais trata o artigo são estádios públicos, destinados as grandes competições; 2) que estádios são programas que induzem as situações de densidade flutuante, o que não contribui para a sustentabilidade urbana; 3) em geral os projetos de estádio, inclusive os estádios de clubes, assim como os shoppings centers dão pouca atenção à dinâmica da rua, oferecendo a cidade, quase sempre, bordas que abrigam como únicas atividades, as bilheterias para venda de ingressos. Essa face cega contribui para reduzir o dinamismo da rua, o que não é bom.

Abraços,

Leonardo

domingo, 21 de junho de 2009

Vai com calma que é na Lapa.

Este título poderia ser nome de um bloco de carnaval. Mas também poderia ser uma recomendação às equipes envolvidas no choque de ordem, que se promete dar na Lapa, no dia 24 de junho.

Os tratamentos de choque deixaram de ser recomendados para indivíduos considerados loucos, por serem desumanos e não ajudarem a cura. Tratar às cidades a base de choque parece ser ainda pior.

As cidades são muito complexas e muito dinâmicas e o conhecimento disponível sobre elas ainda é bastante limitado. Alguém já disse com sabedoria: “Quando não se sabe bem o que se está fazendo, o melhor é ir devagarzinho”.

A recuperação do centro do Rio tem como seu caso mais significativo a revitalização das atividades de lazer cultural na Lapa. Processo cujas características contrariam os modelos e doutrinas contemporâneas sobre a reabilitação de áreas centrais.

O que mais interessa relatar aqui é que essa revitalização não se baseou em qualquer estratégia de enobrecimento da área (gentrification). Preocupados com a cultura da cidade, constatando a quase inexistência no centro do Rio, de casas de espetáculo, onde se pudesse ouvir e dançar um samba, alguns empresários encontraram nos imóveis relativamente baratos da Lapa uma oportunidade para seus empreendimentos. Para um maior conhecimento sobre o processo da Lapa, vale ler o livro de Micael Herschann, “Lapa, cidade da música”.

Pouco a pouco, a juventude aderiu ao processo e micro-empresários do mercado informal, chamados de camelôs, também estabeleceram ali seus negócios. Na medida em que esses usuários da Lapa ocuparam os botecos de porta aberta e as calçadas, as ruas ganharam vida e se tornaram seguras.

Os jovens costumam dizer que é possível viver uma noite agradável na Lapa, consumindo um “Mc Lapa Feliz” * e rachando uma cerveja com os amigos.

Assim, as pessoas com mais recursos, quando saem tarde da noite das casas de espetáculo, que cobram ingressos que os mais pobres não podem pagar, encontram a rua cheia de gente jovem que, além de embelezar e alegrar a paisagem urbana, garante a segurança do espaço público, com uma eficiência que supera em muito qualquer operação policial.

É, portanto, sob a aparência de desordem, que se encontra a segurança: um dos elementos chaves no processo de revitalização da vida noturna na Lapa. Depois que o processo ia muito bem e a Lapa passou a ser vista como um bom negócio. Então alguns capitalistas do setor de bares, restaurantes e casas noturnas começaram a abrir filiais na Lapa.

Para pensar o processo da Lapa e Praça XV, vale recuperar a diferença entre empresários e capitalistas que o teórico da economia, Joseph Alois Schumpeter**, construiu, buscando compreender o papel da inovação econômica, nos processos de superação de crises e retomada do desenvolvimento.

Afirma Schumpeter que é fundamental distinguir os empresários dos capitalistas, para entender como se dá os processo de inovação e retomada do crescimento econômico. Capitalistas são pessoas avesas ao risco, conservadoras e só se interessam por seus negócios como fonte de lucro. Em situações de crise, preferem a certeza do rendimento finaceiro. Já empresários são temerários e visionários, que se envolvem com negócios de novo tipo, movidos mais pela paixão, que pelo desejo de lucro. São eles transformam potencialidades em realidade.

Resumindo: Lapa revitalizada não é um produtos dos modelos contemporaneos de reabilitação urbana, impregnados de “racionalidade neo-liberal”. Ela resulta da ação de médios empresários, apaixonados pela música brasileira; dos sambistas e dos jovens, cansados da imposição de produtos culturais globalizados; dos boemios que valorizam o patrmônio cultural urbano; de micro empresários do setor informal, dotados de imaginação, criatividade e vontade de trabalhar.

Intervir na Lapa com base em idéias conservadoras pode trazer péssimos resultados para a revitalização do Centro. Só pode agradar aos que, equivocadamente, imaginam que, um dia, o Centro do Rio vá se deslocar para a Barra.

Esclareciementos:
* Mc Lapa Feliz, também conhecido como X-TUDO, é uma refeição que contem uma linguiça, maionese, batata frita, petit-pois, milho, cebola, tomate, pimentão, servidos dentro de um pão de tamanho genroso, sendo, potanto, assemelhado a um sanduiche.

** Schumpeter, era economista, mas deu aulas de antropologia na universidade.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Se beber não dirija

O slogan está espalhado pela cidade. Se beber vá de táxi, ônibus ou metro. A campanha é importantíssima: se destina a salvar vidas da morte, da invalidez, da culpa. Merece todo apoio e adesão.

Por isso mesmo é preciso, porém, assinalar que essa campanha padece de um dos males do tempo. Vivemos numa época quando empresas e governos preferem investir em propaganda, a investir na qualidade dos produtos e serviços que oferecem.

A campanha tem seus cartazes nos ônibus, nos táxis, e no metro. Mas na madrugada os ônibus são desconfortáveis, inseguros e raros, os táxis são caros e o metro, como se fosse a Cinderela, some depois da meia-noite.

Essa campanha poderia ampliar seu alcance se existissem órgãos públicos implementando novas soluções para o transporte para as áreas e nos horários de boemia da cidade; e com autoridade suficiente, sobre o sistema de transporte público, para viabilizar a oferta de transporte, de qualidade, considerando as características sócio-econômicas do público alvo da campanha, ou seja, os proprietários de automóveis.

Numa cidade, como o Rio de Janeiro, que se pretende turística e onde a vida noturna mostrou-se capaz de revitalizar áreas importantes da cidade, era de se esperar que essas soluções já existissem. Mas não é o que acontece.

É claro que, há quem veja na campanha “se beber não dirija” um caminho para retirar os pecadores das mãos de Dionísio. Associam a boemia ao alcoolismo; e o alcoolismo a violência e a degradação humana. Mas as situações de violência e degradação humana, associadas ao alcoolismo, começam, o mais das vezes, no botequim da esquina, ou dentro de casa.

Esquecem que a boemia é, na cidade, a festa da poesia, da música, da amizade, da urbanidade. É a esfera pública em confraternização. A boemia é a manifestação social que conduz a cidade em direção a civilidade.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Cidades e estádios – a copa de 2014.

Os estádios ocupam lugar de destaque nas cidades desde o Coliseu em Roma. Não só por serem um espaço destinado a reunir multidões, mas também porque sendo equipamentos urbanos de grande porte, sua monumentalidade traz implicações significativas para a paisagem urbana.

Mas da Roma Antiga aos tempos de agora, o urbanismo evoluiu bastante. Sabe-se que estádios são equipamentos urbanos que passam a maior parte do tempo fechados, ociosos. Aos justos festejos por terem sido as escolhidas para sediar os jogos da copa de 2014, as cidades precisam adicionar, portanto, um pouco de atenção com as implicações que os projetos de remodelação dos estádios vão trazer para o seu cotidiano.

Para que o dinheiro público - dinheiro das cidades, dos cidadãos - seja bem aplicado, não basta que o estádio seja bom por dentro. Não basta que seja bom para torcedores. Não basta que seja bom para FIFA. É preciso seja bom para a cidade; é preciso que seja bom para os bairros, onde se localizam; é preciso que seja bom para os moradores da sua periferia; é preciso que seja bom no cotidiano das cidades e não apenas nos dias de jogos; é preciso que seja bom todos os dias de todos os anos e apenas durante o evento da copa.

O projeto de arquitetura e o projeto de inserção urbanística desses estádios devem, portanto, atender essa a perspectiva. Para que as bordas desses estádios não se tornem lugares ermos, destinados ao delito, suas periferias de contato com a cidade devem ser projetadas para ser lugares do lazer cotidiano dos moradores das cidades, de forma a garantir uso constante e vitalidade urbana dessas áreas, mesmo quando não estejam ocorrendo jogos.

Nesse sentido, esses projetos precisam ser submetidos aos mecanismos de audiência pública, até porque o Estatuto da Cidade prevê a realização de estudo de impacto de vizinhança (EIV), quando da realização de grandes empreendimentos nas cidades. É o caso.

Resumindo: nada contra a FIFA, as agências de viagem, os hotéis e as companhias de aviação. Tudo em favor das cidades. Como dizia o Barão de Itararé: as conseqüências vêm depois. E, como ele poderia ter dito: os eventos passam, as cidades ficam.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Cidade murada: Barra da Tijuca

O jornal O GLOBO noticiou no domingo, 24 de maio de 2009, que alguns moradores da Barra da Tijuca derrubaram um muro, buscando reabrir uma ‘servidão urbana’; isto é, um pedaço da cidade que, há dez anos, existia na condição de espaço público, e que fora murado pela empresa proprietária do terreno.

Os muros, separando pessoas, e suas quedas, tem sido uma marca tônica da história contemporânea.

A queda do muro da Barra não tem a mesma importância histórica da queda do muro de Berlim, e sua construção não é tão reveladora das tendências anti-fraternais da sociedade contemporânea como a construção dos muros que separam judeus e palestinos, americanos e mexicanos; bem como dos muros com que querem cercar as favelas cariocas.

Mas os muros da Barra também são anti-fraternais. Nasceram de uma idéia triste: “se não há bem estar na cidade, então o melhor seria morar em ‘ilhas’ de bem estar, isoladas da cidade.” Assim construí-se a Barra: pedaços de terra cercados de muros por todos os lados, constituindo um arquipélago que contraria tudo que ensinou Jane Jacobs, em seu livro “Morte e vida de grandes cidades.”

Uma cidade não deve ter muros. E, não só porque eles são antipáticos e transmitem a idéia de uma cidade em guerra, mas também porque a grande vantagem das cidades é a interação entre as atividades sociais. Viver em ‘ilhas muradas’ contraria o próprio sentido de viver em cidades.

Os economistas gostam de falar de “economias de aglomeração” para se referir as vantagens geradas pela acessibilidade entre atividades. A idéia pode ser simplificada do seguinte modo: é bom morar próximo da padaria, do jornaleiro, da farmácia, do mercado e da escola dos filhos; é bom abrir uma papelaria ou restaurante perto da escola e morar perto do local de trabalho.

Para propiciar o bem estar urbano, na medida em que a divisão do trabalho se desenvolve, as cidades também se desenvolvem, garantindo, pela acessibilidade, a interação entre as diferentes atividades que foram divididas em muitas unidades de produção, para promover a produtividade econômica.

É a acessibilidade entre as atividades quem gera efeitos de aglomeração que beneficiam a todos. Como resultado, na medida em que a cidade se desenvolve, uma localização se valoriza em decorrência do acesso que oferece aos efeitos de aglomeração que vão se surgindo pela agregação sucessiva de novas atividades.

O processo se auto-reforça. Os efeitos de aglomeração atraem novas atividades e as novas agregações de atividade expandem os efeitos de aglomeração.

Algumas atividades urbanas podem ser levadas para dentro dos condomínios fechados, mas as escolhas dos moradores ficam reduzidas. Ficando dentro do condomínio, ainda que o barzinho seja muito bom, ficará com um público limitado; e se for péssimo vai limitar o bem estar dos moradores por algum tempo. O estímulo gerado pela concorrência também fica reduzido quando existem barreiras a livre circulação nas cidades.

Mas há ainda um outro aspecto do problema. Determinadas atividades urbanas, como universidades, hospitais, e centros comerciais não podem existir à escala do condomínio fechado. Na Barra eles estão nos shoppings.

Sendo assim, a descontinuidade do tecido urbano, existente na Barra, reduz a não só interação das atividades dos diferentes condomínios entre si e dos diferentes shoppings entre si, mas também aquela dos condomínios com os shoppings.

Os muros da Barra são, portanto, um obstáculo ao desenvolvimento do bem estar urbano naquela área da cidade, com impactos negativos de todo tipo, para todo mundo. Melhor seria que todos, por iniciativa própria, demolissem os seus muros e se integrassem aos seus vizinhos.

Como dizia Cora Coralina: “o vizinho é o parente mais próximo”.

sábado, 23 de maio de 2009

Comentando os comentários.

Comentando os comentários.

Til e Paula, obrigado pelo seu comentário. As páginas que vocês mantém na Internet também são ótimas.
Til com o trabalho sobre fotografia (http://teleobjetiva-teleobjetiva.blogspot.com/) e Paula sobre poesia (http://www.paulacajaty.com/) Visitei as duas e adorei.
Flávio: Valeu! Leio sempre o seu blog, (http://blogdoflavioloureiro.blogspot.com/) pra saber o que fazer no fim de semana e pra ficar ligado nos debates políticos.
Também agradeço aos comentários do Naegaele em seu blog: (http://donaegele.blogspot.com/) e ao pessoal do Algo a Dizer (http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx) que reproduziu o artigo A crise: ambiental, nas cidades, nos transportes publicado originalmente aqui neste blog.
Beijo nas moças, abraço nos amigos Flávio e Naegaele e na turma do Algo a Dizer.
A todos meu agradecimento.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Violência e favela.

Começa a se difundir no Rio a ideia equivocada de que a violência tem origem na favela; e tal equivoco tem ajudado a alimentar todos os piores preconceitos.

É preciso combater essa idéia que é estranha ao espírito carioca, que gosta de se misturar no samba, na praia e no futebol.

A violência não tem origem na favela, apenas se manifesta na favela de modo mais explicito, incisivo e forte, porque lá residem os pobres e os pobres são os que mais sofrem com a violência.

Vejamos. Há, por exemplo, a violência que tem origem no conflito inter-pessoal. Ela esta mais presente na favela porque os processos que desagregam o tecido social, como o desemprego e a alienação, atingem mais os mais pobres. Estes processos quando alimentados pela cultura da violência, dão origem a todo tipo de tragédia.

Mas a difusão da cultura da violência não é responsabilidade da favela. Não é lá que são produzidos os enlatados cinematográficos onde em 80% dos casos um cara (“o cara”) com uma pistola na mão resolve todos os problemas da sua vida. Nem, tão pouco, parte da favela a tele-difusão desses ‘filmecos’.

Já vi muita gente dizer que sempre viu esses filmes e nunca se tornou violento. Esquecem de considerar que a situação social e psicológica de cada individuo, é decisiva para o modo pelo será incorporada, culturalmente, as mensagens estéticas recebidas ele.

A violência que resulta da droga se manifesta de maneira flagrante na favela, mas os consumidores são em sua maioria do asfalto e a corrupção, que torna o combate ao trafico inócuo, também; do mesmo modo, a produção do armamento, que é meio indispensável à violência, não se realiza na favela.

Crimes como roubos de automóveis, de carga e pirataria, exigem um grau de organização e articulação econômica e institucional, que também não está na favela.

Enfim, as bases sobre as quais a violência se desenvolveu e se expandiu na cidade do Rio de Janeiro estão localizados nos lugares abastados.

Vale lembrar que as grandes máfias do nosso tempo surgem a sombra de poderosos Estados que governam poderosas economias e não da pobreza.

É também por isso que é tão difícil combater a violência.

domingo, 10 de maio de 2009

Favela: Feliz Dia das Mães.

Gostaria de desejar um Feliz Dia das Mães para todas as mães, mas gostaria de dedicar essa coluna às mães que criam e educam seus filhos nas favelas da minha cidade. Importante: entenda-se aqui por favela também as ocupações, os loteamentos irregulares, os acampamentos e, enfim, todos os agregados humanos onde residem os mais pobres da sociedade.

Numa sociedade onde banqueiros praticam a sonegação fiscal e os trabalhadores se atolam em dívidas; onde corruptos, do setor público e da iniciativa privada, enriquecem e os honestos empobrecem; onde há mais estímulos ao consumo que à fraternidade, não é fácil educar os filhos.

Todas as mães que vivem nessa sociedade e ainda assim conseguem transformar seus filhos e filhas em trabalhadores honestos estão de parabéns. Porém, é preciso reconhecer, a tarefa de educar os filhos é bem mais difícil para as mães das favelas: territórios discriminados pelo preconceito, onde carência material é a tônica do dia a dia e a delinqüência vizinha de casa.

Para obter o sustento material para seus filhos e filhas, as mães das favelas, trabalham em extensas jornadas de trabalho, as vezes de domingo a domingo, sobrando pouco tempo para o convívio educativo em família. (Se alguém disser que muitas mães de classe média vivem esse mesmo drama, eu vou concordar)

O exemplo fala mais alto. Graças a sua dedicação amorosa, muitas vezes estendida aos filhos das famílias para as quais trabalham, como domésticas, essas mulheres, as mães das favelas, conseguem sucesso, numa proporção semelhante ao alcançado pelas mães do asfalto.

São, em geral, mães de muitos filhos e filhas, o que torna a tarefa de criar e educar mais difícil. Os pesquisadores que indicam um crescimento da favela maior que o da cidade formal, deveriam esclarecer o quanto as diferenças de crescimento vegetativo da população estão associadas a esse fenômeno.

Já ouvi, várias vezes, críticas as mães de muitos filhos, mas é preciso que se saiba que existe uma forte correlação entre o nível educacional e o número de filhos de uma familia. Quanto mais alto o nível educacional, menor o número de filhos; por exemplo: universitários têm menos filhos que aqueles que não conseguiram completar o ensino fundamental.

Ninguém renuncia ao estudo por que quer. Aprender é um prazer. Entre as razões que levam alguém a abandonar os estudos, acredito que duas causas se destacam: o acicate da carência material que empurra precocemente o jovem para o mercado de trabalho; e a dificuldade de aprendizado.

As dificuldades de aprendizado estão ligadas de muitas formas ao nível de renda da família. Em primeiro lugar estão os prejuízos à formação do cérebro, decorrentes da má alimentação de zero a sete anos de idade. Crianças que vivem em condições de carência material nessa fase da vida apresentam dificuldade de aprendizado na fase seguinte.

Some-se que existe uma forte correlação entre nível educacional e a renda: quanto maior o nível educacional maior a renda. Sendo assim, a própria convivência com os pais favorece mais ao aprendizado dos filhos das famílias mais ricas que ao aprendizado dos filhos das famílias mais pobres. E, é obvio, a renda interfere diretamente nas condições materiais de aprendizado dos mais pobres. Para completar quase sempre os mais pobres tem acesso a uma escola pública de pior qualidade.

Resumo: Quem está preocupado com o crescimento das favelas deveria voltar os olhos para as formas como a pobreza se reproduz: a pobreza se alto reforça e só reversível a partir de uma intervenção do Estado garantindo a boa alimentação de crianças de zero a sete anos e educação de boa qualidade para a juventude.

Termino contando uma história: um amigo meu, quando ia completar o ensino médio descobriu que existia uma coisa chamada vestibular. Assustado, reuniu-se com a mãe para ver o que fazer. Decidiram juntos que moveriam todos os esforços ao seu alcance. O jovem conseguiu concluir a faculdade. Veio o dia da formatura. Uma celebração de todo o trabalho daquele jovem da favela. Mas no dia da festa da sua turma de faculdade soube que os vizinhos, junto com a mãe, também haviam preparado uma festa, muita singela, na casa de uma vizinha, lá na favela. Com o coração dividido preferiu comemorar com seus vizinhos da favela, pois sabia que eles sentiam a sua vitória como deles; mas sabia que acima de tudo que não teria se formado sem o apoio fundamental da sua mãe.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Paradoxo cultural.

No dia em que o Prefeito da Cidade, o Governador e o Ministro da Cultura davam as mãos para apresentar a candidatura do Rio de Janeiro à Patrimônio da Humanidade, com tristeza leio a notícia de que mais um prédio pegou fogo no centro do Rio. Esses incêndios têm sido tão freqüentes, que já não cabe um olhar inocente.

A área do centro histórico do Rio de Janeiro é protegida apenas por APAC, quando o valor histórico e cultural recomendaria o tombamento de conjunto, coisa que os órgãos de proteção poderiam fazer promovendo a extensão de tombamento dos grandes monumentos já protegidos na área.

As áreas urbanas de valor patrimonial constituem hoje um importante recurso para a promoção do desenvolvimento das cidades, como bem demonstra a revitalização da Lapa.

Sendo assim, não é demais lembrar que o patrimônio é um recurso não renovável, sujeito à destruição irreversível. Qualquer ação inadequada sobre estas áreas, pode comprometer a diversidade simbólica (signo-diversidade) que constitui a base da riqueza que caracteriza o patrimônio cultural brasileiro e, portanto, o desenvolvimento sustentável das cidades.

Algumas cidades pagariam milhões para ter o patrimônio cultural que o Rio de Janeiro possui. Alfred Agache, urbanista frances que, ao final da década de 1920, elaborou um plano para a cidade do Rio de Janeiro, por solicitação do Prefeito Antônio Prado Júnior, alertou para importância de preservar o patrimônio histórico e disse: “a beleza se paga”.

Cada vez mais a mensagem faz sentido, mas na esfera política permanece um relativo descaso com a questão do patrimônio no Brasil e no Rio de Janeiro.

terça-feira, 28 de abril de 2009

A crise: ambiental, nas cidades, nos transportes.

A crise: ambiental, nas cidades, nos transportes.

Nos dias atuais não é possível pensar o futuro das cidades sem levar em conta o problema ambiental. Vivemos uma crise ambiental e é muito provável que o modo de urbanização tenha que se transformar, em suas características básicas, para reduzir seus impactos sobre as condições ambientais da vida em sociedade.

Dentro dessa perspectiva e considerando o sistema de transporte é um dos traços fundamentais do modo de urbanização, é relevante, para as cidades, repensar o seu sistema de transporte.

Nos últimos 60 anos, as políticas públicas no Brasil priorizaram um sistema de transporte rodoviário e dentro dele o automóvel, cuja propriedade se tornou um símbolo de sucesso para pessoas e famílias. Ao mesmo tempo se concedeu ao transporte público de massa um tratamento de segunda classe. O sistema de transporte coletivo tornou-se desconfortável e incorporou a marca da segregação social.

Mas considerando a questão ambiental, é possível prosseguir priorizando um sistema de transporte baseado no uso em larga escala do automóvel? Ainda que se possa argumentar que o uso de biocombustíveis resulta em menor impacto ambiental, não se pode deixar de considerar que um sistema de transporte baseado no transporte individual resulta em maior impacto ambiental que o sistema baseado no transporte coletivo.

Uma das diretrizes para reduzir os impactos ambientais do modo de urbanização é, portanto, a ampliação do uso do transporte coletivo. Coloca-se então a questão: como deve ser o sistema de transporte coletivo para que o automóvel fique em casa?

Frente à crise ambiental, pensar um modo de urbanização compatível com o desenvolvimento sustentável, é pensar em soluções baseadas no transporte de massa de boa qualidade e baixo preço. Permanecendo os transportes coletivos como hoje, será difícil que os que tem condições de andar de automóvel deixem seu carro em casa.

Só para se ter uma ideia do quanto se tem caminhado no sentido oposto, na cidade do Rio de Janeiro, enquanto caía a qualidade do metrô, como apontou a reportagem do Globo do ultimo fim de semana, o preço da passagem mais barata chegava R$ 2,80. Considerando que um carro popular faz 10 quilômetros com um litro de gasolina, e que o litro de gasolina custa R$ 2,70, qualquer deslocamento inferior a 10 quilômetros fica mais barato se for feito de carro. Significa dizer que no Rio de Janeiro, partindo-se da a Zona Sul ou da Tijuca, é mais barato chegar ao centro de automóvel, que de metro.

Resumo: o sistema de transporte esta andando na contra-mão do desenvolvimento sustentável das cidades.

sábado, 18 de abril de 2009

Aonde nos levam barcas, trens e metrô.

O protesto espontâneo realizado pelos usuários das barcas e, apenas alguns dias depois, as cenas de violência de seguranças da SUPERVIA contra cidadãos cariocas que utilizavam os serviços da empresa evidenciam que as privatizações de serviços e infra-estruturas urbanas não cumprem o que prometeram.
O principal argumento em favor das privatizações era o de que os serviços prestados à cidade melhorariam com a privatização. Fica evidente que eles não estão melhores.
Vi uma jornalista, no programa do Jô, tentar responsabilizar a greve dos ferroviários pelo episódio. Mas a greve não é dos ferroviários, é apenas dos maquinistas; e porque os maquinistas estão em greve? Por questões de segurança e a greve não foi considerada ilegal pela justiça, ou seja: os trens da SUPERVIA provavelmente estão trafegando sem condições e para que segurança dos cidadãos venha a ser restaurada foi preciso os trabalhadores entrar em greve.
No caso das barcas, também há evidentes necessidades de investimentos e então é o governo do Estado do Rio de Janeiro quem promete fazê-los. Mas a promessa com as privatizações não era a de que com elas o Estado estaria dispensado de fazer novos investimentos nos serviços privatizados, para que sobrassem mais recursos públicos para saúde e educação?
O comportamento de feitor, de raiz escravocrata, dos funcionários da SUPERVIA, que foi registrado no mesmo momento da greve não apenas por coincidência. Situações como está, são resultados de acúmulos que não se formam de uma hora para outra. São como avalanches: a neve se junta aos poucos na montanha, então um último floco cai e leva ao desabamento.
E assim, infelizmente, é provável que em breve aconteça alguma coisa de semelhante com o metrô, que está cada vez com mais filas, cada vez com mais demora entre as composições, cada vez com um ar condicionado pior, num carro cada vez mais lotado.
No reveillon, na praça Saens Peña na Tijuca, o metro disponibilizou apenas uma entrada para os passageiros, gerando uma fila que dobrava o quarteirão, onde o cidadão era obrigado a permanecer por trinta minutos. Um verdadeiro desrespeito à Cidade e aos usuários.
Fato é que apenas uma coisa progrediu com as privatizações: o preço pago pelas passagens. Barcas, Metrô e Trens (SUPERVIA), no Rio de Janeiro, após a privatização, tiveram reajustes nos preços das passagens que além de compensar a inflação, adicionaram ao valor da tarifa aumentos superiores a 150% além da inflação.
Assim, as famílias tiveram que recompor seus orçamentos, gastando menos com comida, saúde e educação, por exemplo, para poder exercer o direito de circular na cidade do Rio de janeiro. No período que vai de 2003 a 2006 o percentual dos gastos das famílias no Grande Rio com trens e metrô aumentaram, 29%, 20%, respectivamente. (Fonte: Mesentier, A.A.P. in: Blog Cidade em Movimento).
O sistema de transporte é decisivo para vida das cidades. O aumento dos custos nos transporte, aumenta os custos de mão de obra e inibe os deslocamentos dos cidadãos com conseqüências econômicas e sociais graves, inclusive o aumento da população de rua.