Gostaria de desejar um Feliz Dia das Mães para todas as mães, mas gostaria de dedicar essa coluna às mães que criam e educam seus filhos nas favelas da minha cidade. Importante: entenda-se aqui por favela também as ocupações, os loteamentos irregulares, os acampamentos e, enfim, todos os agregados humanos onde residem os mais pobres da sociedade.
Numa sociedade onde banqueiros praticam a sonegação fiscal e os trabalhadores se atolam em dívidas; onde corruptos, do setor público e da iniciativa privada, enriquecem e os honestos empobrecem; onde há mais estímulos ao consumo que à fraternidade, não é fácil educar os filhos.
Todas as mães que vivem nessa sociedade e ainda assim conseguem transformar seus filhos e filhas em trabalhadores honestos estão de parabéns. Porém, é preciso reconhecer, a tarefa de educar os filhos é bem mais difícil para as mães das favelas: territórios discriminados pelo preconceito, onde carência material é a tônica do dia a dia e a delinqüência vizinha de casa.
Para obter o sustento material para seus filhos e filhas, as mães das favelas, trabalham em extensas jornadas de trabalho, as vezes de domingo a domingo, sobrando pouco tempo para o convívio educativo em família. (Se alguém disser que muitas mães de classe média vivem esse mesmo drama, eu vou concordar)
O exemplo fala mais alto. Graças a sua dedicação amorosa, muitas vezes estendida aos filhos das famílias para as quais trabalham, como domésticas, essas mulheres, as mães das favelas, conseguem sucesso, numa proporção semelhante ao alcançado pelas mães do asfalto.
São, em geral, mães de muitos filhos e filhas, o que torna a tarefa de criar e educar mais difícil. Os pesquisadores que indicam um crescimento da favela maior que o da cidade formal, deveriam esclarecer o quanto as diferenças de crescimento vegetativo da população estão associadas a esse fenômeno.
Já ouvi, várias vezes, críticas as mães de muitos filhos, mas é preciso que se saiba que existe uma forte correlação entre o nível educacional e o número de filhos de uma familia. Quanto mais alto o nível educacional, menor o número de filhos; por exemplo: universitários têm menos filhos que aqueles que não conseguiram completar o ensino fundamental.
Ninguém renuncia ao estudo por que quer. Aprender é um prazer. Entre as razões que levam alguém a abandonar os estudos, acredito que duas causas se destacam: o acicate da carência material que empurra precocemente o jovem para o mercado de trabalho; e a dificuldade de aprendizado.
As dificuldades de aprendizado estão ligadas de muitas formas ao nível de renda da família. Em primeiro lugar estão os prejuízos à formação do cérebro, decorrentes da má alimentação de zero a sete anos de idade. Crianças que vivem em condições de carência material nessa fase da vida apresentam dificuldade de aprendizado na fase seguinte.
Some-se que existe uma forte correlação entre nível educacional e a renda: quanto maior o nível educacional maior a renda. Sendo assim, a própria convivência com os pais favorece mais ao aprendizado dos filhos das famílias mais ricas que ao aprendizado dos filhos das famílias mais pobres. E, é obvio, a renda interfere diretamente nas condições materiais de aprendizado dos mais pobres. Para completar quase sempre os mais pobres tem acesso a uma escola pública de pior qualidade.
Resumo: Quem está preocupado com o crescimento das favelas deveria voltar os olhos para as formas como a pobreza se reproduz: a pobreza se alto reforça e só reversível a partir de uma intervenção do Estado garantindo a boa alimentação de crianças de zero a sete anos e educação de boa qualidade para a juventude.
Termino contando uma história: um amigo meu, quando ia completar o ensino médio descobriu que existia uma coisa chamada vestibular. Assustado, reuniu-se com a mãe para ver o que fazer. Decidiram juntos que moveriam todos os esforços ao seu alcance. O jovem conseguiu concluir a faculdade. Veio o dia da formatura. Uma celebração de todo o trabalho daquele jovem da favela. Mas no dia da festa da sua turma de faculdade soube que os vizinhos, junto com a mãe, também haviam preparado uma festa, muita singela, na casa de uma vizinha, lá na favela. Com o coração dividido preferiu comemorar com seus vizinhos da favela, pois sabia que eles sentiam a sua vitória como deles; mas sabia que acima de tudo que não teria se formado sem o apoio fundamental da sua mãe.