quarta-feira, 27 de maio de 2009

Cidade murada: Barra da Tijuca

O jornal O GLOBO noticiou no domingo, 24 de maio de 2009, que alguns moradores da Barra da Tijuca derrubaram um muro, buscando reabrir uma ‘servidão urbana’; isto é, um pedaço da cidade que, há dez anos, existia na condição de espaço público, e que fora murado pela empresa proprietária do terreno.

Os muros, separando pessoas, e suas quedas, tem sido uma marca tônica da história contemporânea.

A queda do muro da Barra não tem a mesma importância histórica da queda do muro de Berlim, e sua construção não é tão reveladora das tendências anti-fraternais da sociedade contemporânea como a construção dos muros que separam judeus e palestinos, americanos e mexicanos; bem como dos muros com que querem cercar as favelas cariocas.

Mas os muros da Barra também são anti-fraternais. Nasceram de uma idéia triste: “se não há bem estar na cidade, então o melhor seria morar em ‘ilhas’ de bem estar, isoladas da cidade.” Assim construí-se a Barra: pedaços de terra cercados de muros por todos os lados, constituindo um arquipélago que contraria tudo que ensinou Jane Jacobs, em seu livro “Morte e vida de grandes cidades.”

Uma cidade não deve ter muros. E, não só porque eles são antipáticos e transmitem a idéia de uma cidade em guerra, mas também porque a grande vantagem das cidades é a interação entre as atividades sociais. Viver em ‘ilhas muradas’ contraria o próprio sentido de viver em cidades.

Os economistas gostam de falar de “economias de aglomeração” para se referir as vantagens geradas pela acessibilidade entre atividades. A idéia pode ser simplificada do seguinte modo: é bom morar próximo da padaria, do jornaleiro, da farmácia, do mercado e da escola dos filhos; é bom abrir uma papelaria ou restaurante perto da escola e morar perto do local de trabalho.

Para propiciar o bem estar urbano, na medida em que a divisão do trabalho se desenvolve, as cidades também se desenvolvem, garantindo, pela acessibilidade, a interação entre as diferentes atividades que foram divididas em muitas unidades de produção, para promover a produtividade econômica.

É a acessibilidade entre as atividades quem gera efeitos de aglomeração que beneficiam a todos. Como resultado, na medida em que a cidade se desenvolve, uma localização se valoriza em decorrência do acesso que oferece aos efeitos de aglomeração que vão se surgindo pela agregação sucessiva de novas atividades.

O processo se auto-reforça. Os efeitos de aglomeração atraem novas atividades e as novas agregações de atividade expandem os efeitos de aglomeração.

Algumas atividades urbanas podem ser levadas para dentro dos condomínios fechados, mas as escolhas dos moradores ficam reduzidas. Ficando dentro do condomínio, ainda que o barzinho seja muito bom, ficará com um público limitado; e se for péssimo vai limitar o bem estar dos moradores por algum tempo. O estímulo gerado pela concorrência também fica reduzido quando existem barreiras a livre circulação nas cidades.

Mas há ainda um outro aspecto do problema. Determinadas atividades urbanas, como universidades, hospitais, e centros comerciais não podem existir à escala do condomínio fechado. Na Barra eles estão nos shoppings.

Sendo assim, a descontinuidade do tecido urbano, existente na Barra, reduz a não só interação das atividades dos diferentes condomínios entre si e dos diferentes shoppings entre si, mas também aquela dos condomínios com os shoppings.

Os muros da Barra são, portanto, um obstáculo ao desenvolvimento do bem estar urbano naquela área da cidade, com impactos negativos de todo tipo, para todo mundo. Melhor seria que todos, por iniciativa própria, demolissem os seus muros e se integrassem aos seus vizinhos.

Como dizia Cora Coralina: “o vizinho é o parente mais próximo”.

sábado, 23 de maio de 2009

Comentando os comentários.

Comentando os comentários.

Til e Paula, obrigado pelo seu comentário. As páginas que vocês mantém na Internet também são ótimas.
Til com o trabalho sobre fotografia (http://teleobjetiva-teleobjetiva.blogspot.com/) e Paula sobre poesia (http://www.paulacajaty.com/) Visitei as duas e adorei.
Flávio: Valeu! Leio sempre o seu blog, (http://blogdoflavioloureiro.blogspot.com/) pra saber o que fazer no fim de semana e pra ficar ligado nos debates políticos.
Também agradeço aos comentários do Naegaele em seu blog: (http://donaegele.blogspot.com/) e ao pessoal do Algo a Dizer (http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx) que reproduziu o artigo A crise: ambiental, nas cidades, nos transportes publicado originalmente aqui neste blog.
Beijo nas moças, abraço nos amigos Flávio e Naegaele e na turma do Algo a Dizer.
A todos meu agradecimento.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Violência e favela.

Começa a se difundir no Rio a ideia equivocada de que a violência tem origem na favela; e tal equivoco tem ajudado a alimentar todos os piores preconceitos.

É preciso combater essa idéia que é estranha ao espírito carioca, que gosta de se misturar no samba, na praia e no futebol.

A violência não tem origem na favela, apenas se manifesta na favela de modo mais explicito, incisivo e forte, porque lá residem os pobres e os pobres são os que mais sofrem com a violência.

Vejamos. Há, por exemplo, a violência que tem origem no conflito inter-pessoal. Ela esta mais presente na favela porque os processos que desagregam o tecido social, como o desemprego e a alienação, atingem mais os mais pobres. Estes processos quando alimentados pela cultura da violência, dão origem a todo tipo de tragédia.

Mas a difusão da cultura da violência não é responsabilidade da favela. Não é lá que são produzidos os enlatados cinematográficos onde em 80% dos casos um cara (“o cara”) com uma pistola na mão resolve todos os problemas da sua vida. Nem, tão pouco, parte da favela a tele-difusão desses ‘filmecos’.

Já vi muita gente dizer que sempre viu esses filmes e nunca se tornou violento. Esquecem de considerar que a situação social e psicológica de cada individuo, é decisiva para o modo pelo será incorporada, culturalmente, as mensagens estéticas recebidas ele.

A violência que resulta da droga se manifesta de maneira flagrante na favela, mas os consumidores são em sua maioria do asfalto e a corrupção, que torna o combate ao trafico inócuo, também; do mesmo modo, a produção do armamento, que é meio indispensável à violência, não se realiza na favela.

Crimes como roubos de automóveis, de carga e pirataria, exigem um grau de organização e articulação econômica e institucional, que também não está na favela.

Enfim, as bases sobre as quais a violência se desenvolveu e se expandiu na cidade do Rio de Janeiro estão localizados nos lugares abastados.

Vale lembrar que as grandes máfias do nosso tempo surgem a sombra de poderosos Estados que governam poderosas economias e não da pobreza.

É também por isso que é tão difícil combater a violência.

domingo, 10 de maio de 2009

Favela: Feliz Dia das Mães.

Gostaria de desejar um Feliz Dia das Mães para todas as mães, mas gostaria de dedicar essa coluna às mães que criam e educam seus filhos nas favelas da minha cidade. Importante: entenda-se aqui por favela também as ocupações, os loteamentos irregulares, os acampamentos e, enfim, todos os agregados humanos onde residem os mais pobres da sociedade.

Numa sociedade onde banqueiros praticam a sonegação fiscal e os trabalhadores se atolam em dívidas; onde corruptos, do setor público e da iniciativa privada, enriquecem e os honestos empobrecem; onde há mais estímulos ao consumo que à fraternidade, não é fácil educar os filhos.

Todas as mães que vivem nessa sociedade e ainda assim conseguem transformar seus filhos e filhas em trabalhadores honestos estão de parabéns. Porém, é preciso reconhecer, a tarefa de educar os filhos é bem mais difícil para as mães das favelas: territórios discriminados pelo preconceito, onde carência material é a tônica do dia a dia e a delinqüência vizinha de casa.

Para obter o sustento material para seus filhos e filhas, as mães das favelas, trabalham em extensas jornadas de trabalho, as vezes de domingo a domingo, sobrando pouco tempo para o convívio educativo em família. (Se alguém disser que muitas mães de classe média vivem esse mesmo drama, eu vou concordar)

O exemplo fala mais alto. Graças a sua dedicação amorosa, muitas vezes estendida aos filhos das famílias para as quais trabalham, como domésticas, essas mulheres, as mães das favelas, conseguem sucesso, numa proporção semelhante ao alcançado pelas mães do asfalto.

São, em geral, mães de muitos filhos e filhas, o que torna a tarefa de criar e educar mais difícil. Os pesquisadores que indicam um crescimento da favela maior que o da cidade formal, deveriam esclarecer o quanto as diferenças de crescimento vegetativo da população estão associadas a esse fenômeno.

Já ouvi, várias vezes, críticas as mães de muitos filhos, mas é preciso que se saiba que existe uma forte correlação entre o nível educacional e o número de filhos de uma familia. Quanto mais alto o nível educacional, menor o número de filhos; por exemplo: universitários têm menos filhos que aqueles que não conseguiram completar o ensino fundamental.

Ninguém renuncia ao estudo por que quer. Aprender é um prazer. Entre as razões que levam alguém a abandonar os estudos, acredito que duas causas se destacam: o acicate da carência material que empurra precocemente o jovem para o mercado de trabalho; e a dificuldade de aprendizado.

As dificuldades de aprendizado estão ligadas de muitas formas ao nível de renda da família. Em primeiro lugar estão os prejuízos à formação do cérebro, decorrentes da má alimentação de zero a sete anos de idade. Crianças que vivem em condições de carência material nessa fase da vida apresentam dificuldade de aprendizado na fase seguinte.

Some-se que existe uma forte correlação entre nível educacional e a renda: quanto maior o nível educacional maior a renda. Sendo assim, a própria convivência com os pais favorece mais ao aprendizado dos filhos das famílias mais ricas que ao aprendizado dos filhos das famílias mais pobres. E, é obvio, a renda interfere diretamente nas condições materiais de aprendizado dos mais pobres. Para completar quase sempre os mais pobres tem acesso a uma escola pública de pior qualidade.

Resumo: Quem está preocupado com o crescimento das favelas deveria voltar os olhos para as formas como a pobreza se reproduz: a pobreza se alto reforça e só reversível a partir de uma intervenção do Estado garantindo a boa alimentação de crianças de zero a sete anos e educação de boa qualidade para a juventude.

Termino contando uma história: um amigo meu, quando ia completar o ensino médio descobriu que existia uma coisa chamada vestibular. Assustado, reuniu-se com a mãe para ver o que fazer. Decidiram juntos que moveriam todos os esforços ao seu alcance. O jovem conseguiu concluir a faculdade. Veio o dia da formatura. Uma celebração de todo o trabalho daquele jovem da favela. Mas no dia da festa da sua turma de faculdade soube que os vizinhos, junto com a mãe, também haviam preparado uma festa, muita singela, na casa de uma vizinha, lá na favela. Com o coração dividido preferiu comemorar com seus vizinhos da favela, pois sabia que eles sentiam a sua vitória como deles; mas sabia que acima de tudo que não teria se formado sem o apoio fundamental da sua mãe.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Paradoxo cultural.

No dia em que o Prefeito da Cidade, o Governador e o Ministro da Cultura davam as mãos para apresentar a candidatura do Rio de Janeiro à Patrimônio da Humanidade, com tristeza leio a notícia de que mais um prédio pegou fogo no centro do Rio. Esses incêndios têm sido tão freqüentes, que já não cabe um olhar inocente.

A área do centro histórico do Rio de Janeiro é protegida apenas por APAC, quando o valor histórico e cultural recomendaria o tombamento de conjunto, coisa que os órgãos de proteção poderiam fazer promovendo a extensão de tombamento dos grandes monumentos já protegidos na área.

As áreas urbanas de valor patrimonial constituem hoje um importante recurso para a promoção do desenvolvimento das cidades, como bem demonstra a revitalização da Lapa.

Sendo assim, não é demais lembrar que o patrimônio é um recurso não renovável, sujeito à destruição irreversível. Qualquer ação inadequada sobre estas áreas, pode comprometer a diversidade simbólica (signo-diversidade) que constitui a base da riqueza que caracteriza o patrimônio cultural brasileiro e, portanto, o desenvolvimento sustentável das cidades.

Algumas cidades pagariam milhões para ter o patrimônio cultural que o Rio de Janeiro possui. Alfred Agache, urbanista frances que, ao final da década de 1920, elaborou um plano para a cidade do Rio de Janeiro, por solicitação do Prefeito Antônio Prado Júnior, alertou para importância de preservar o patrimônio histórico e disse: “a beleza se paga”.

Cada vez mais a mensagem faz sentido, mas na esfera política permanece um relativo descaso com a questão do patrimônio no Brasil e no Rio de Janeiro.