O jornal O GLOBO noticiou no domingo, 24 de maio de 2009, que alguns moradores da Barra da Tijuca derrubaram um muro, buscando reabrir uma ‘servidão urbana’; isto é, um pedaço da cidade que, há dez anos, existia na condição de espaço público, e que fora murado pela empresa proprietária do terreno.
Os muros, separando pessoas, e suas quedas, tem sido uma marca tônica da história contemporânea.
A queda do muro da Barra não tem a mesma importância histórica da queda do muro de Berlim, e sua construção não é tão reveladora das tendências anti-fraternais da sociedade contemporânea como a construção dos muros que separam judeus e palestinos, americanos e mexicanos; bem como dos muros com que querem cercar as favelas cariocas.
Mas os muros da Barra também são anti-fraternais. Nasceram de uma idéia triste: “se não há bem estar na cidade, então o melhor seria morar em ‘ilhas’ de bem estar, isoladas da cidade.” Assim construí-se a Barra: pedaços de terra cercados de muros por todos os lados, constituindo um arquipélago que contraria tudo que ensinou Jane Jacobs, em seu livro “Morte e vida de grandes cidades.”
Uma cidade não deve ter muros. E, não só porque eles são antipáticos e transmitem a idéia de uma cidade em guerra, mas também porque a grande vantagem das cidades é a interação entre as atividades sociais. Viver em ‘ilhas muradas’ contraria o próprio sentido de viver em cidades.
Os economistas gostam de falar de “economias de aglomeração” para se referir as vantagens geradas pela acessibilidade entre atividades. A idéia pode ser simplificada do seguinte modo: é bom morar próximo da padaria, do jornaleiro, da farmácia, do mercado e da escola dos filhos; é bom abrir uma papelaria ou restaurante perto da escola e morar perto do local de trabalho.
Para propiciar o bem estar urbano, na medida em que a divisão do trabalho se desenvolve, as cidades também se desenvolvem, garantindo, pela acessibilidade, a interação entre as diferentes atividades que foram divididas em muitas unidades de produção, para promover a produtividade econômica.
É a acessibilidade entre as atividades quem gera efeitos de aglomeração que beneficiam a todos. Como resultado, na medida em que a cidade se desenvolve, uma localização se valoriza em decorrência do acesso que oferece aos efeitos de aglomeração que vão se surgindo pela agregação sucessiva de novas atividades.
O processo se auto-reforça. Os efeitos de aglomeração atraem novas atividades e as novas agregações de atividade expandem os efeitos de aglomeração.
Algumas atividades urbanas podem ser levadas para dentro dos condomínios fechados, mas as escolhas dos moradores ficam reduzidas. Ficando dentro do condomínio, ainda que o barzinho seja muito bom, ficará com um público limitado; e se for péssimo vai limitar o bem estar dos moradores por algum tempo. O estímulo gerado pela concorrência também fica reduzido quando existem barreiras a livre circulação nas cidades.
Mas há ainda um outro aspecto do problema. Determinadas atividades urbanas, como universidades, hospitais, e centros comerciais não podem existir à escala do condomínio fechado. Na Barra eles estão nos shoppings.
Sendo assim, a descontinuidade do tecido urbano, existente na Barra, reduz a não só interação das atividades dos diferentes condomínios entre si e dos diferentes shoppings entre si, mas também aquela dos condomínios com os shoppings.
Os muros da Barra são, portanto, um obstáculo ao desenvolvimento do bem estar urbano naquela área da cidade, com impactos negativos de todo tipo, para todo mundo. Melhor seria que todos, por iniciativa própria, demolissem os seus muros e se integrassem aos seus vizinhos.
Como dizia Cora Coralina: “o vizinho é o parente mais próximo”.