Coerente com o “modelo econômico” de muitos anos, as cidades se desenvolveram promovendo o uso e permitindo abuso do automóvel. Presencia-se diariamente a prática, efetivamente desordeira, de expropriação dos direitos dos pedestres. Calçadas e faixas de travessia são indevidamente invadidas, muitas vezes, inviabilizando a circulação a pé, para não falar nos carros de bebê e nas cadeiras de rodas.
Ontem (25/06/2009), no Centro, entrei na Rua do Rosário, no trecho entre a Avenida Rio Branco e Primeiro de Março. Percebi que havia muitos carros estacionados na calçada, mas resolvi seguir por ela. Então, um desses carros grandes, subiu na calçada avançou na minha direção. O motorista olhava como se eu estivesse fazendo algo errado, mas prossegui firme no meu caminhar. Quase fui atropelado.
Fiquei confuso: estaria realmente caminhando numa calçada ou ali era um estacionamento? Virei na esquina da Rua do Carmo. A primeira metade da calçada fora tomada por um carro, que colocara duas rodas sobre ela, porque não havia espaço para colocar as quatro, dado que a segunda metade da calçada havia sido ocupada pelas grades do edifício da esquina, que transmutara o espaço público em espaço privado.
Aconteceu de novo: uma motocicleta, circulando na calçada quase me atropelou. Passei a caminhar pela parte da rua supostamente destinada aos automóveis. Veio um carro e buzinou indignado. Restava supor que naquela parte da cidade só era permitido andar sobre rodas.
Sentindo-me um estrangeiro em minha própria casa e um tanto desnorteado, prossegui até chegar à esquina com o Beco dos Barbeiros. Ali, um fiscal da prefeitura, apoiado por um policial militar impunha ordem urbana a barraca de um camelô aleijado. Como a cena proporcionava certa comoção aos transeuntes, procurei me informa junto ao fiscal sobre o que estava acontecendo.
Ele esclareceu que a barraca do camelô excedia as dimensões autorizadas (possivelmente algo em torno de 20 cm de cada lado da barraca) e que por isso estava obrigando o camelô a entrar na ordem urbana. Disse tudo com certo orgulho.
O camelô não tinha as pernas, ou melhor, só às tinhas até os joelhos. Por isso se deslocava, de um lado para o outro, com enorme dificuldade e aflição. Quando precisava se dirigir ao fiscal, pessoa de estatura mediana, o camelô tinha que, ao mesmo tempo, olhar para o céu.
Formou-se um quadro absolutamente constrangedor: um homem, que usava sapatos nos joelhos, caminhava aflito de um lado para o outro, tentando adequar a barraca a exigência do fiscal.
Quem estava por perto e via, não gostava. A cena era absolutamente antipática e por todo lado se ouvia o desagrado de quem passava.
A experiência evidenciou um tratamento diferenciado para automóveis e camelôs: “Aos automóveis tudo, aos camelôs a lei”.
Evidenciou também que a política de ‘ordem urbana’, não é populista, não é movida pela busca do apoio popular. Mas, nos dias de hoje no Brasil, apoio popular não é a única coisa que os políticos procuram angariar.