sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Luta por moradia e reforma urbana: conflitos no Rio de janeiro

Dentro de um contexto de olimpíadas, pré-sal, e grandes investimentos em beneficiamento e exportação de commodities, na região econômica do Rio de Janeiro, aparecem conflitos urbanos em áreas imediatamente atingidas por essa dinâmica. Nesse sentido, duas noticias foram publicadas pelo Centro Mídia Independente (link: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/12/482545.shtml  )


A primeira relata que 50 famílias que ocuparam o prédio abandonado do INSS, localizado na Avenida Mem de Sá, 234, ontem pela manhã, dia 13/12, foram brutalmente despejados numa ação conjunta da Polícia Federal com a Militar. Na operação cerca de 10 pessoas foram presas. É a terceira vez que o prédio da Avenida Mem de Sá, 234, é ocupado e desocupado. O INSS sempre faz questão da reintegração de posse, mas essa posse não se traduz em destinação de uso, que traduz a função social da propriedade.

Todos os detidos continuam presos. Segundo informações da advogada da Ocupação, eles serão obrigados a passar a noite numa cela da Polícia Federal, na Praça Mauá. O delegado quer indicia-los por vários crimes, inclusive lesão corporal e seqüestro.

A segunda informa que a Vila Recreio II, na Avenida das Américas, também foi atingida, na noite da quarta-feira, 15/12/2010. Às 19h20 um casebre foi completamente destruído por uma retro escavadeira com grande parte de sua mobília ainda lá dentro. A ação desconsidera a existência de uma decisão judicial suspendendo qualquer demolição na comunidade.

Na mesma operação na Vila Harmonia, a poucos metros dali, foi distribuída uma “notificação” para retirada imediata de todos os moradores remanescentes até a meia-noite de hoje. O clima é de tensão absoluta.

Todas essas demolições ocorrem por conta do projeto de corredor viário Transoeste, uma rodovia de 52Km, com duas pontes, um viaduto, um túnel passando dentro de um Parque Estadual (Unidade de Conservação e Proteção Integral) e é financiada pelo BNDES.

link para video

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Do quê o Morro do Alemão precisa - Nota pública de instituições comunitárias atuantes no bairro do Complexo do Alemão

Extraído do blog FALA POVO: http://www.falapovo.com/

02/12/2010 - Do quê o Morro do Alemão precisa passado o "show midiático"

Nota pública de instituições comunitárias atuantes no bairro do Complexo do Alemão
Por Redação, 30.11.2010

Diante dos acontecimentos recentes na Vila Cruzeiro e no Conjunto de Favelas do Alemão – formado por 14 Comunidade e com população estimada em 400 mil pessoas -, que culminaram na ocupação desta área por forças policiais do estado e das Forças Armadas, as Organizações da Sociedade Civil abaixo assinadas, com atuação há mais de 10 anos nesta região, vêm a público propor e Requerer dos governos nas esferas Federal, Estadual e Municipal um compromisso efetivo. São necessários investimentos para tirar do papel um conjunto de propostas e projetos de caráter sócio-ambiental, cultural e nas áreas de educação, saúde, mobilidade urbana, saúde ambiental, esportes, assistência social e segurança pública. Lembrando que muitas destas propostas já foram objetos de projetos não concretizados ao longo dos anos, esperamos que a partir de agora possam ser implantadas em benefício da população e da proteção deste território que historicamente foi abandonado pelos sucessivos governos e com isso ficou marcado por décadas pelo seu crônico esvaziamento econômico, pela violência, degradação urbana e como área de sacrifício ambiental.

Somos o Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia, fruto de uma aliança entre diversas organizações locais já mobilizadas em torno da defesa da Serra da Misericórdia, movimento social que conquistou nos anos 90 seu reconhecimento legal como uma Unidade de Conservação da Natureza reconhecida pelo Decreto Municipal Nº 19.144 de 16 de novembro de 2000 – Área de Proteção Ambiental e de Recuperação Urbana – APARU da Serra da Misericórdia. Trata-se, portanto, de um coletivo que agrega, além das instituições do Comitê, moradores das favelas ocupadas militarmente, entidades comunitárias locais, bem como ativistas e pesquisadores, todos com longa atuação nesta região e vivência nessas comunidades.

Nosso Objetivo é aprofundar o debate com a sociedade, o poder público e a mídia para além da ocupação militar. Para isso, queremos, através de uma AGENDA SÓCIO-AMBIENTAL PARA O TERRITÓRIO DA SERRA DA MISERICÓRDIA E OS COMPLEXOS DE COMUNIDADES DO ALEMÃO, DA VILA CRUZEIRO E DA PENHA, apresentar idéias, sugestões, projetos e propostas objetivas e viáveis que possam colaborar com o desenvolvimento humano e a melhoria das condições socioeconômicas e sanitárias desta região e dos moradores. Assim, destacamos como prioridades:

1. Reconhecer o quão significativo é a ocupação do estado em áreas que antes eram dominadas por grupos ligados ao varejo de drogas não pode significar uma interpretação equivocada do contexto de violência e ilegalidade da cidade. Resumir a política de segurança pública a esta ocupação militar ou mesmo creditar às ações dos últimos dias uma triunfal “derrubada do tráfico” – o midiático dia “D” – apenas contribui para a criminalização das áreas de favelas e esvaziamento do debate. Essa interpretação pode gerar uma superficial e limitada cortina de fumaça sobre as causas reais que levaram a esta grave situação assim como camuflar as razões históricas que levaram ao abandono deste território e de sua população que vive há décadas em precárias condições de vida, e sem acesso a direitos elementares. Consideramos que para além das manchetes sensacionalistas que buscam induzir a sociedade e, principalmente, os moradores que vivem nas favelas cariocas a crerem que com a ação militar do Alemão o problema estaria superado e que nossa cidade estaria livre do crime de maneira definitiva, é preciso fazer uma análise profunda para comprovar que isto não se sustenta. A ação de combate ao varejo de drogas tem seus méritos, no entanto, não se pode associar toda a violência que assola a cidade apenas ao território das favelas dominadas pelo tráfico. Diversas variáveis interferem nesse contexto, muitas delas de amplo conhecimento da população e das autoridades públicas: corrupção policial, tráfico de armas, narcotráfico internacional, fortalecimento dos grupos milicianos, desigualdades sociais, ausência do Estado em grande parte da cidade, entre outras. É preciso, portanto, ressaltar os avanços presentes nos fatos dos últimos dias sem deixar de apontar as muitas frentes onde ainda precisamos atuar.

Além disso, a cobertura da grande mídia e as ações governamentais que se seguirão devem ter o cuidado de não reforçar estereótipos históricos e preconceitos sociais associados às favelas, já que os moradores dessas áreas são sempre os mais atingidos pela violência. No momento em que o estado se mostra disposto a enfrentar esta realidade é preciso todo esforço para que não se repitam condições históricas que acabam por reforçá-la. Por isso, são inaceitáveis e não podem ser visto como “mal menor”, certos acontecimentos aos quais estão sujeitos hoje os moradores do Conjunto de Favelas do Alemão, entre os quais destacamos a falta de energia elétrica; o fechamento das escolas; a entrada violenta por parte das forças policiais nas residências; o furto de objetos nestas residências. Esses fatos devem ser profundamente combatidos, prestando contas à sociedade. Por outro lado, apesar dos casos de posturas inadequadas de alguns policiais, é importante destacar que as ações dos últimos dias divergem daquilo que se viu nas últimas duas décadas no que diz respeito à ação policial, ao menos nas favelas do Alemão. É notável que a inteligência foi privilegiada em detrimento da repressão desmedida. Se há relatos de abusos, muitos são também os relatos que reconhecem uma postura por parte dos policiais da maneira que se espera deles: com respeito aos direitos dos cidadãos. Não cabe elogiar aquilo que, na verdade, é a conduta correta das forças que representam o estado, mas é forçoso destacá-la uma vez que historicamente não foi esta a realidade experimentada pela comunidade.

2. Esta ação aponta para uma profunda transformação no cotidiano das favelas do Alemão, por isso, este coletivo avalia ser necessário aliar uma ampla diversidade de atores sociais para que ela possa se consolidar. A atuação conjunta entre as várias forças estatais (tanto no campo da segurança quanto no campo social), somada à participação dos moradores e das organizações locais que há anos lutam pela melhoria das condições de vida da região podem fortalecer este processo, dando-lhe transparência e legitimidade. Esta é precisamente a razão pela qual as instituições que assinam esta nota buscam agregar outros atores locais e estabelecer um diálogo amplo e duradouro com o poder público.

Para isso, propomos a construção coletiva de uma Agenda Propositiva para o Conjunto de Favelas do Alemão. As instituições que já se envolveram neste debate têm buscado contribuir nos campos nos quais já acumulam ampla experiência, principalmente com propostas de projetos nas áreas da cultura, meio-ambiente, educação e esporte. Destaca-se a longa vivência destas instituições nas diversas comunidades do Complexo do Alemão, onde há anos desenvolvem projetos sócio-ambientais, educativos e culturais em geral sem qualquer apoio dos governos ou da iniciativa privada. Da mesma forma, é necessária e deve ser urgente, por parte do poder público, a abertura de canais para o diálogo com as entidades comunitárias locais, bem como de participação no processo que envolve a Agenda.

Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2010.

Assinam esta nota:

Instituto Raízes em Movimento
Verdejar – Proteção Ambiental e Humanismo
Movimento de Integração Social – Éfeta
Oca dos Curumins
Observatório de Favelas

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Rio de Janeiro: o tráfico e o efeito colateral do Complexo do Alemão.

Melhor seria deixar aos especialistas o escrever sobre os episódios de confronto, que opuseram polícia e forças armadas à traficantes, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, na região da Penha, no Rio de Janeiro. Os acontecimentos são recentes, as informações disponíveis são poucas, o assunto é delicado.

Mas, mesmo considerando as limitações, é possível abordar a questão recuperando um pouco da história da relação do tráfico de drogas com a política urbana cidade do Rio de Janeiro, tomando como pressuposto que não é possível compreender o que está acontecendo sem compreender o que aconteceu antes, como diria o professor de história.


O TRAFICO DOMINA O TERRITÓRIO

Foi se a partir do final do ciclo de autoritarismo militar, que traficantes de drogas iniciaram uma ação de controle territorial sobre as áreas ocupadas majoritariamente por pobres, na cidade no Rio de Janeiro.

As favelas cariocas haviam crescido sem quase nenhuma obra de infra-estrutura urbana ou prestação de serviços público. Na primeira metade da década de 80, do século passado, a FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro) tornou-se uma entidade atuante. Com o avanço da redemocratização, num contexto político onde a idéia de remoção de favelas estava derrotada, a expectativa então era que a FAFERJ se tornasse um dos principais atores da política na cidade Rio de Janeiro, enquanto expressão de demandas que não podiam mais ser consideradas ilegítimas.

Mas isso não aconteceu. Na medida em que o tráfico de drogas foi avançando no exercício do controle territorial das áreas onde residiam os pobres as associações de moradores ou foram coagidas, ou foram cooptadas; a organização e a mobilização dos pobres foram sendo desarticuladas.

Assim, os traficantes não só forneciam a alguns membros das classes de maior renda, mercadoria que lhes propiciava experiências existenciais diferenciadas, como também, ao dominar territórios de favelas, exercia uma importante opressão sobre a maioria pobre da cidade, substituindo o regime militar nessa função.

Com isso o trafico passou a representar um importante elemento na regulação da aplicação dos recursos públicos, reduzindo as pressões do conflito distributivo sobre o Poder Público e mantendo, em grande medida, os padrões de investimentos na cidade dentro dos marcos de interesse dos grupos econômicos hegemônicos, constituídos no período anterior.


PRIMEIRO EFEITO COLATERAL: DISPUTA POR MERCADO.

É provável que o domínio territorial seja uma das possíveis explicações para a cartelização do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. O controle do território propiciou a centralização e assim a formação de grandes redes centralizadas de comércio de drogas, mas gerou dois efeitos colaterais.

Por um lado, dado o poder resultante da centralização e do controle territorial, ao tráfico de drogas passaram a se associar outras redes de crimes, como roubos de automóveis, de cargas, de celulares, com aumento da eficiência da ação criminosa; por outro lado, a disputa de mercado, entre as redes cartelizadas de traficantes, tomou a forma de disputa territorial, gerando episódios cotidianos de guerrilha urbana sangrenta.

A disputa armada, entre as redes cartelizadas de traficantes, tornou a cidade do Rio de Janeiro um mercado em expansão para o comércio ilegal de todo tipo de armamento, um lugar promissor para o crime e palco de sucessivos e sangrentos conflitos armados entre as redes do tráfico.


MUDANÇA NO CONTEXTO DE DESENVOVIMENTO.

Mas as transformações sociais prosseguiram e nos anos iniciais do século vinte um, modelo de desenvolvimento se transformou. Com o avanço de um modelo de desenvolvimento que incorpora a sua regulação mecanismos de inclusão social e distribuição de renda, como o bolsa família e investimentos em urbanização de favelas, a funcionalidade política do controle territorial exercido pelo tráfico, como forma de desarticulação das demandas populares, ficou em grande parte esvaziada.

Essa desfuncionalidade agravou-se na medida em que o Rio de Janeiro passou a sediar mega-eventos internacionais, destacadamente o horizonte de realização das Olimpíadas de 2016, incorporando de forma mais consistente o desenvolvimento turístico, como estratégia de desenvolvimento local.

A partir dessa redefinição, com o Rio de Janeiro tornando-se possivelmente a vitrine global da América do Sul, toda a expectativa de negócios lucrativos e de valorização imobiliária, entra em choque com o quadro de criminalidade descontrolada e de batalhas sangrentas de traficantes entre si e com a polícia, nas disputas por mercado de drogas e controle territorial na cidade.

Os mesmos interesses sociais, que viam o controle territorial do tráfico com o olhar leniente, passaram a enxergar a necessidade da mudança. Iniciam-se as operações de eliminação do controle territorial do tráfico, com a ocupação policial de algumas favelas cariocas, por meio da instalação dentro das favelas de UPPs (Unidades de Policia Pacificadora), que se combinam a uma ação mais ampla do Estado, no provimento de serviços e infra-estruturas urbanas, nas áreas ocupadas.


SEGUNDO EFEITO COLATRAL: A CRISE DO COMPLEXO DO ALEMÃO

Numa visão cética, drogas, prostituição e jogo, legal ou ilegalmente, sempre estão presentes nas sociedades e próximas da riqueza e, como as próprias autoridades de segurança reconhecem, as UPPs não tem como acabar com o tráfico de drogas.

Ao retirar as áreas urbanas, onde residem os pobres, do controle territorial do trafego de drogas, o objetivo da implantação das UPPs é desmilitarizar o trafico de droga, retirar base territorial de apoio às ações criminosas, como roubo de cargas, carros e celulares, e desarticular as grandes redes cartelizadas do trafico de drogas, que possibilitam ações criminosas de grande envergadura e convertem o tráfico de drogas em ator político e social relevante.

Assim, na medida em que as UPPs avançaram na cidade, do centro para a periferia, a parcela armada do pessoal envolvido na economia do tráfico, destinada à proteção do território, foi sendo deslocada no espaço. Dado que o quartel general da rede de traficantes com maior presença nessas áreas centrais da cidade, ficava no Complexo do Alemão, não se pode descartar a hipótese de que tenham se deslocado para lá as hordas armadas que faziam a segurança da comercialização da droga.

Nessa linha de raciocínio é possível supor que essa concentração de pessoal armado tenha gerado alguma tensão. Tensão que pode ter se somado à dos comerciantes de armas que identificaram a perspectiva de perda de mercado e à da cúpula da rede do tráfico, em decorrência da perda de controle territorial e das posições de mercado de drogas, que a ela se associam.

Assim, chegasse a hipótese de que como resultado dessa tensão, a cúpula da rede de tráfico tenha buscado uma ação de confrontação com Estado, na linha do que já foi chamado pela historiadora Barbara Tuchman de “marcha da insensatez”.

Deu no que deu.