quarta-feira, 11 de maio de 2011

A internet, o direito autoral e os pobres.

Se considerarmos que a urbanização envolve, além do processo de formação e transformação de cidades, também todo o processo de formação e desenvolvimento do sistema de transporte e comunicação, que articula as cidades entre si e as cidades ao campo, então teremos que admitir que o debate sobre fenômenos relacionados à internet é pertinente ao debate sobre a urbanização e as cidades, na contemporaneidade.

De fato o fenômeno da internet determina novos padrões de urbanização e transforma o modo de vida urbano e nesse sentido, o debate sobre cultura e cidade é diretamente tocado por temáticas relacionadas à internet. Entre as possíveis questões vinculadas a essa temática, vale registrar o acirrado debate, que os envolvidos com a questão da cultura vem travando em torno da questão do direito autoral e a prática de "baixar" músicas, filmes e outros bens culturais na internet.

O objetivo desse artigo é analisar uma tese que tem sido utilizada no debate sobre direito autoral. Alguns argumentam que "a cobrança do direito autoral prejudica os pobres, pois são eles os principais beneficiários da prática de "baixar" (download) música utilizando a internet".

O direito autoral é um direito de propriedade sobre um valor, valor que resulta de um trabalho capaz de gerar um efeito útil necessário à vida social. Nesse sentido, pode-se comparar a cobrança do direito autoral à cobrança por uma consulta médica. Tanto a consulta médica quanto a audição de uma música produzem um efeito útil gerador de bem estar. Ambos são produto de um trabalho qualificado por um processo de formação especifico, que se vale de um acumulo produzido socialmente ao longo da história.

No imaginário da sociedade a formação do médico está simbolicamente associada à seriedade, à responsabilidade e à dedicação; enquanto à formação do músico popular esta associada à alegria, ao prazer e ao "talento natural e nato". Imagina-se a música como produto de inspiração, que só pode ser Divina; enquanto que a boa indicação do feita por um médico resulta de estudo e inteligência.

No entanto, quem acompanhar de perto a formação de um músico popular saberá que ela envolve muito tempo de estudo, dedicação e disciplina. E, quem acompanhar de perto a formação de um médico, ou qualquer outra formação acadêmica, saberá que os que escolhem profissão por vocação, encontram no aprendizado e no exercício profissional momentos de alegria e prazer.

Assim, pode-se concluir que o trabalho realizado por um médico ou por um compositor, uma receita médica ou uma composição, geram uma efeito socialmente útil e decorrem da realização de um tempo de trabalho capacitado. Possuem, portanto, valor econômico.

Então, pode-se colocar a questão nos seguintes termos: Numa economia capitalista, o que acontece quando os trabalhadores têm acesso gratuito um bem ou serviço que possui valor econômico? Marx, possivelmente responderia: o acesso gratuito dos trabalhadores a um bem possuidor de valor reduzirá o custo da força de trabalho, aumentando, conseqüentemente, a taxa de lucro.

É preciso lembrar que as consultas médicas, oferecidas gratuitamente em postos de saúde, são na verdade pagas pelo Estado com dinheiro de impostos. Para conhecer suas conseqüências econômicas, seria preciso saber qual parcela dos impostos é paga pela renda do capital e qual a parcela dos impostos é paga pela renda do trabalho.

É preciso considerar também que, no caso da música "baixada", haverá um captura do valor "gratuito" pelos mediadores do sistema que permite "baixar" a música. Empresas que produzem e vendem computadores e programas; provedores de internet; empresas de serviços de telefonia e de banda larga; enfim, todas as empresas que produzem um bem ou serviço que é mediador necessário à fruição do efeito útil socialmente desejado, agregam ao valor do bem ou serviço que atua como mediador, o valor não pago pelo efeito útil mediado. As TVs de sinal aberto, por exemplo, não cobram diretamente ao tele expectador, mas sim às empresas, pela propaganda de seus produtos. O custo da propaganda é agregado ao do produto e, finalmente, o tele expectador paga pela TV de sinal aberto ao comprar um dentifrício ou ao pagar a tarifa bancária.

Numa economia capitalista o valor não se dissolve; ao ser oferecido gratuitamente será capturado e a forma como se dará essa captura será determinada pelas relações econômicas vigentes e pelo aparato jurídico-legal que as sustenta. O argumento de que a não cobrança de direito autoral será um benefício para os pobres deve, portanto, ser avaliado e qualificado.



Sobre "Creative Commons" e ECAD sugiro a leitura do esclarecedor artigo de Mario Conte, publicado no link da ESQUERDA MARXISTA:

http://www.marxismo.org.br/index.php?pg=artigos_detalhar&artigo=697