Este título poderia ser nome de um bloco de carnaval. Mas também poderia ser uma recomendação às equipes envolvidas no choque de ordem, que se promete dar na Lapa, no dia 24 de junho.
Os tratamentos de choque deixaram de ser recomendados para indivíduos considerados loucos, por serem desumanos e não ajudarem a cura. Tratar às cidades a base de choque parece ser ainda pior.
As cidades são muito complexas e muito dinâmicas e o conhecimento disponível sobre elas ainda é bastante limitado. Alguém já disse com sabedoria: “Quando não se sabe bem o que se está fazendo, o melhor é ir devagarzinho”.
A recuperação do centro do Rio tem como seu caso mais significativo a revitalização das atividades de lazer cultural na Lapa. Processo cujas características contrariam os modelos e doutrinas contemporâneas sobre a reabilitação de áreas centrais.
O que mais interessa relatar aqui é que essa revitalização não se baseou em qualquer estratégia de enobrecimento da área (gentrification). Preocupados com a cultura da cidade, constatando a quase inexistência no centro do Rio, de casas de espetáculo, onde se pudesse ouvir e dançar um samba, alguns empresários encontraram nos imóveis relativamente baratos da Lapa uma oportunidade para seus empreendimentos. Para um maior conhecimento sobre o processo da Lapa, vale ler o livro de Micael Herschann, “Lapa, cidade da música”.
Pouco a pouco, a juventude aderiu ao processo e micro-empresários do mercado informal, chamados de camelôs, também estabeleceram ali seus negócios. Na medida em que esses usuários da Lapa ocuparam os botecos de porta aberta e as calçadas, as ruas ganharam vida e se tornaram seguras.
Os jovens costumam dizer que é possível viver uma noite agradável na Lapa, consumindo um “Mc Lapa Feliz” * e rachando uma cerveja com os amigos.
Assim, as pessoas com mais recursos, quando saem tarde da noite das casas de espetáculo, que cobram ingressos que os mais pobres não podem pagar, encontram a rua cheia de gente jovem que, além de embelezar e alegrar a paisagem urbana, garante a segurança do espaço público, com uma eficiência que supera em muito qualquer operação policial.
É, portanto, sob a aparência de desordem, que se encontra a segurança: um dos elementos chaves no processo de revitalização da vida noturna na Lapa. Depois que o processo ia muito bem e a Lapa passou a ser vista como um bom negócio. Então alguns capitalistas do setor de bares, restaurantes e casas noturnas começaram a abrir filiais na Lapa.
Para pensar o processo da Lapa e Praça XV, vale recuperar a diferença entre empresários e capitalistas que o teórico da economia, Joseph Alois Schumpeter**, construiu, buscando compreender o papel da inovação econômica, nos processos de superação de crises e retomada do desenvolvimento.
Afirma Schumpeter que é fundamental distinguir os empresários dos capitalistas, para entender como se dá os processo de inovação e retomada do crescimento econômico. Capitalistas são pessoas avesas ao risco, conservadoras e só se interessam por seus negócios como fonte de lucro. Em situações de crise, preferem a certeza do rendimento finaceiro. Já empresários são temerários e visionários, que se envolvem com negócios de novo tipo, movidos mais pela paixão, que pelo desejo de lucro. São eles transformam potencialidades em realidade.
Resumindo: Lapa revitalizada não é um produtos dos modelos contemporaneos de reabilitação urbana, impregnados de “racionalidade neo-liberal”. Ela resulta da ação de médios empresários, apaixonados pela música brasileira; dos sambistas e dos jovens, cansados da imposição de produtos culturais globalizados; dos boemios que valorizam o patrmônio cultural urbano; de micro empresários do setor informal, dotados de imaginação, criatividade e vontade de trabalhar.
Intervir na Lapa com base em idéias conservadoras pode trazer péssimos resultados para a revitalização do Centro. Só pode agradar aos que, equivocadamente, imaginam que, um dia, o Centro do Rio vá se deslocar para a Barra.
Esclareciementos:
* Mc Lapa Feliz, também conhecido como X-TUDO, é uma refeição que contem uma linguiça, maionese, batata frita, petit-pois, milho, cebola, tomate, pimentão, servidos dentro de um pão de tamanho genroso, sendo, potanto, assemelhado a um sanduiche.
** Schumpeter, era economista, mas deu aulas de antropologia na universidade.