terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Pesquisadores processados: gestão pública e produção acadêmica.


A gestão pública deve ser eficiente e não deve ser arbitrária, nem quando proíbe, nem quando permite. Para tanto, deve se basear em análises técnicas. Por isso, contemporaneamente, cada vez mais, a gestão pública busca se apoiar na produção acadêmica. A pesquisa científica, sendo apropriada pelos processos de análise técnica que informam a gestão republicana, lhe propícia produtividade e reduz a sua arbitrariedade.

No entanto, alguns pesquisadores têm sido processados, por grandes corporações empresárias, em função dos seus pareceres e análises, como no caso TKCSA (ver postagem anterior nesse blog: http://leonardomesentier.blogspot.com/2011/11/pesquisadores-da-fiocruz-e-uerj.html ). Para uma grande corporação empresarial, o processo contra um pesquisador tem um custo quase irrisório. Para o pesquisador, quando se considera a renda de um cientista no Brasil, o custo com a defesa é muito alto.

É um jogo de soma negativa, como a guerra, onde todos perdem, mas ganha quem pode perder mais. Como na guerra, os mais fortes sempre ganham, porque mesmo perdendo mais em termos absolutos, sofrem um dano menor em termos relativos. O jogo de soma negativa é extremamente desvantajoso para quem tem poucos recursos para perder (os pesquisadores); e pouquíssimo desvantajoso para quem tem muitos recursos para perder (as grandes corporações empresariais). Mesmo com vitória certa no processo judicial, para o pesquisador o dano sempre será relativamente maior.

A ação das corporações tem impacto não só sobre aqueles pesquisadores que sofrem os processos, mas toda a comunidade científica. Pessoas equilibradas e racionais procuram evitar problemas nas suas vidas e os cientistas são, em sua grande maioria, equilibrados e racionais. A ameaça que paira no ar acaba determinando escolhas de objetos de estudos, questões e linhas de abordagem, com danos invisíveis, mas muito graves e extensos, para a pesquisa cientifica no Brasil e, conseqüentemente, para toda a sociedade brasileira. Quem vai querer estudar a correlação ente o câncer e o uso do tabaco, se pode ser processado pelas fabricas de cigarro? Quem vai querer pesquisar a correlação entre o uso de bebidas alcoólicas e os acidentes de automóveis se pode ser processado pelas fabricas de bebida? Quem vai querer pesquisar as distorções no sistema de transporte urbano, se pode ser processados por empresas de barcas, ônibus e metro?

A apropriação da produção acadêmico-científica pela gestão pública é uma condição para a realização de um direito difuso da cidadania: direito à boa aplicação dos recursos públicos, direito à gestão não arbitrária da coisa pública. É preciso então criar alguma forma de proteção jurídica para a pesquisa cientifica brasileira. Eis então uma nova questão que se coloca para a reflexão do Legislativo e ação do Ministério Público no Brasil.