Primeiro caso: Um casal é acordado com batidas na porta tarde da noite. Abre e se depara com vários milicianos armados. O líder do grupo então comunica:
- Vocês têm um comportamento inadequado para essa comunidade. Retirem-se dessa casa imediatamente. A casa agora é nossa.
Pode ter sido por fumar maconha, por causa de uma briga ou de uma festa que foi até mais tarde. O casal foi lançado na rua, no meio da noite, com apenas o que pode carregar nas mãos.
Segundo caso: Uma senhora substitui o telhado da sua casa por uma laje, pensando em futuramente fazer uma casa para o seu filho em cima da sua. No dia da inauguração da laje recebe a visita de um representante da milícia local que comunica ela que a área da laje passa a pertencer a milícia. Se alguma casa for feita, um aluguel deverá ser pago a milícia.
São casos que se pode ouvir no Rio de Janeiro, conversando com que mora em área controlada por milícias. Existem, é claro, histórias bem mais sangrentas de assassinatos e tortura, mas os relatos acima exemplificam bem o estado de opressão difuso e cotidiano que impera sobre moradores de áreas controladas por milícias.
Para ficar bem entendido: nos territórios controlados por milícias não há vigência do Estado Democrático de Direito. Pelo controle territorial que exercem as milícias impedem a livre circulação de idéias políticas e a livre associação de seus moradores para reivindicar. Significa dizer, portanto, que não há cidadania nem democracia em boa parte do território da cidade do Rio de Janeiro.
O controle territorial constitui assim uma base a partir da qual as milícias se relacionam com o sistema político. O poder exercido sobre o território garante as milícias uma importante posição de cabo eleitoral no Rio de Janeiro. Nesse sentido, a ação das milícias faz lembrar a ação de grupos para-militares na gênese histórica de fenômenos como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália.
Soma-se que o dinheiro extorquido de comerciantes, do fornecimento de gás, do transporte, etc., garante as milícias recursos para financiar campanhas eleitorais e subornar autoridades publicas, policiais e juízes corruptos. Como a receita das milícias é proporcional ao seu controle territorial, naturalmente o projeto miliciano é controlar todo o território.
Costumam dizer os militantes de esquerda: “socialismo ou barbárie”. Pode-se parafraseá-los dizendo: “Ou Estado Democrático de Direito ou milícias”. Se as milícias avançam sobre o território deixa de haver cidadania e o Estado Democrático de Direito. Por outro lado, o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito é incompatível com milícias; e, ainda que lentamente, a democracia avança sobre o território e, conseqüentemente, milicianos começaram a ser indiciados criminalmente, julgados e presos.
O sistema de poder miliciano se viu ameaçado e resolveu lutar com as armas que tem, armas de fogo. Assim, com o objetivo de intimidar o Estado Democrático de Direito sucede-se ações terroristas, como o assassinato da Juíza Patrícia Acioli e o plano para matar o deputado Marcelo Freixo, que o levam forçadamente ao exílio, para preservar sua vida.
Como é costumeiro ouvir em filmes sobre máfia: não é pessoal, é negócio. O problema das milícias, não é apenas o Deputado Marcelo Freixo ou a Juíza Patrícia Acioli. As milícias vão ameaçar e tentar eliminar qualquer um que faça o Estado Democrático de Direito valer sobre elas e nas áreas sobre seu controle.
Resta saber qual será a resposta que o Estado Democrático de Direito vai dar as milícias.