terça-feira, 28 de setembro de 2010

Consumo e sustentabilidade.

No dia mundial sem carro, argumentou-se neste blog que mais relevante que propor o “dia mundial sem carro” é propor o “dia mundial com transporte público de boa qualidade e acessível para todos”. Acredito que, motivada por essa postagem, Thelma recomendou visitar o site Planeta Sustentável para conhecer a campanha "o que você precisa para viver?" O site afirma que: “Com essa simples pergunta, a campanha pretende incentivar as pessoas a refletirem sobre as reais prioridades da vida.”

O titulo do site reflete um deslocamento do eixo do debate da questão ambiental da vida das pessoas, especialmente da vida nas cidades, para o problema do planeta (planeta sustentável). Então os debates dos problemas de saneamento ambiental ou da poluição urbana ficam subsumidos no debate sobre o aquecimento global e a biodiversidade. Esse deslocamento tem um importante significado político.

A pergunta "o que você precisa para viver?", posta no contexto da questão da sustentabilidade, sugere uma inter-relação do consumo, do consumismo e da sociedade de consumo com os problemas ambientais. Trata-se de uma abordagem interessante que, no entanto, coloca uma questão que não é simples e requer uma atenção crítica.

I) Obsolescência planejada.

Nos dias atuais as empresas adquiriram tal capacidade de produzir que, para evitar uma super-oferta de bens que faça os preços caírem ao ponto de comprometer a lucratividade, desenvolveram-se estratégias de obsolescência planejada. Assim, quando se debate a relação do consumismo com o meio-ambiente, para evitar a maquiagem verde dos discursos políticos e a instrumentalização do discurso ambientalista para outros fins, é preciso trazer à pauta a questão da obsolescência planejada.

Obsolescência planejada é a prática, desenvolvida por empresas, de tornar a um produto ou serviço obsoleto, por meio do lançamento de um produto tecnologicamente mais avançado, mas é possível também tornar um produto obsoleto: 1) recorendo ao fornecimento de peças de reposição tão dispendiosas que se torna mais interessante comprar um produto novo; 2) baixando a qualidade dos materiais para encurtar o tempo de vida dos produtos; 3) tornando indisponíveis partes essenciais para inviabilizar a fabricação de um item e/ou o conserto de um produto.

Há ainda o que se chama de obsolescência perceptiva, que é a forma de reduzir a vida útil dos produtos, que ainda são perfeitamente funcionais e úteis, lançando produtos com aparência inovadora e mais agradável, dando aos produtos antigos aspecto de ultrapassados e dessa forma, induzem o consumidor à troca.

Nesse sentido cabe questionar a relação com o meio-ambiente dos processos de geração de progamas de computador cada vez mais pesados, que acarretam a troca de equipamento de informática, bem como de serviços como o propaganda, designer e moda, que existem como estimulo a aquisição de novos modelos;

Debater a relação do consumo com o meio ambiente implica, portanto, debater e criticar as práticas de obsolescência planejada.

II) Consumo e produção:

Vivemos, de fato, expostos a todo tipo de propaganda e estimulo ao consumo, o que leva muitas vezes ao consumismo. Por outro lado, sabe-se que reduzindo o consumo reduzem-se pressões sobre o meio ambiente. Mas, toda redução do consumo implica em redução da produção e toda redução da produção implica em redução do emprego.

Vale lembrar: a maior parte do consumo se realiza consome nos processos de produção. Assim, quando se deixa de consumir uma lata de cerveja, deixe-se de consumir também todo o maquinário e equipamentos que produziram a lata e a cerveja, bem como as máquinas, equipamentos e matéria prima que produziram essas máquinas.

Assim, ao argumentar que a redução do consumo é importante para a preservação do meio ambiente, é preciso discutir propostas, como a da redução da jornada de trabalho, para garantir também a preservação do emprego, caso contrário, um problema se transforma em outro.

III) Os pobres.

A sociedade de consumo é também a sociedade da desigualdade e o super-consumo de alguns se associa ao sub-consumo de muitos. Assim, quando se debate a relação do consumo com o meio-ambiente, para não incidir num ambientalismo egoísta, é preciso reconhecer a necessidade da eliminação da pobreza, o que implica em aumento do consumo.

Nos debates técnicos é considerado pobre o individuo que não tem condições de consumir o suficiente para ter um desenvolvimento saudável do seu orgânismo. É extremamente egoísta pedir que os pobres se contente com seu padrão de consumo precário, para que os ricos tenham um planeta melhor para viver, ainda que os ricos se disponham a fazer suas mansões com arquitetura sustentável e madeira certificada; e a trocar o iate e o helicóptero dois em dois anos, ao invés de trocá-lo de ano em ano.

Resumindo: Vale recuperar a vida das pessoas, especialmente a vida nas cidades, como eixo do debate sobre a questão ambiental e, ao relacioná-la a questão do consumo e do consumismo, é preciso considerar os temas da obsolescência planejada, das relações entre consumo, produção, emprego e jornada de trabalho, bem como o tema da pobreza, considerando inclusive suas inter-relações e interdependências.


O que você precisa para viver? Link: (http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/o-que-voce-precisa-para-viver-campanha-repense-598594.shtml).