terça-feira, 15 de junho de 2010

Olimpíadas 2016: é uma boa para o Rio?

Entrevista exclusiva realizada pelo Algo a Dizer (http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx) comigo sobre as olimpiadas de @016 no Rio.

Entrevistadores: Antonio Barreto, Cyana Leahy-Dios, Eduardo Guedes, Gustavo Dumas, Kadu Machado, Leonel Prata, Marcelo Barbosa, Maria Balé, Morgana Eneile e Roberta Miller

Olimpíadas 2016: é uma boa para o Rio?

Para falar sobre esse tema, o jornal Algo a Dizer convidou Leonardo Mesentier, arquiteto do Iphan, doutor em Urbanismo pelo Ippur/UFRJ e professor adjunto da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF, a participar dos debates que, toda terceira quinta-feira do mês, organiza no Sindicato dos Advogados do Rio.

Foi tão boa a palestra e as perguntas que se seguiram que tivemos a idéia de entrevistá-lo este mês. E, inovando, pedimos a ajuda dos amigos e colaboradores do jornal, de vários estados brasileiros, na elaboração das perguntas. O resultado é esta bela exposição de idéias e avaliações deste que será um evento de repercussão para o Rio e para o Brasil.

O planejamento e a gestão

Algo a Dizer - Bem, vamos a pergunta que não quer calar: porque a Olimpíada não é uma boa para o Rio?
Leonardo Mesentier -O Rio de janeiro, como toda cidade, é uma formação sócio-territorial heterogênea, onde convivem diferentes interesses. Então, antes de nos perguntarmos se o Rio ganha ou não ganha com mega eventos, como copa do mundo e olimpíadas, devemos nos perguntar: quem no Rio ganha com esses mega-eventos; quem ganha mais; e quem pode sair perdendo alguma coisa? Certamente o setor turístico fluminense ganha, mas no setor turístico também ganham alguns que estão fora do Rio. O aumento de viagens para a cidade gera ganhos para o setor hoteleiro local, mas também para agentes de viagens e companhias áreas nos locais de emissão de turistas. De toda forma, algumas análises de especialistas apontam para um retorno global de recursos significativamente maior que os recursos investidos, mas ainda não há estudos apontando claramente como serão repartidos os ganhos decorrentes do investimento olímpico.

Algo a Dizer - Como podemos, por meio desse evento mundial, 'alavancar' oportunidades de crescimento sustentável para a cidade?
Leonardo Mesentier - Admitindo a sua hipótese de que a realização de mega-eventos possam "'alavancar' oportunidades de crescimento sustentável para a cidade", há aqui dois aspectos que merecem ser observados:

1) Talvez seja bom fazer uma distinção entre os que ganham porque o evento vai se realizar como, por exemplo, o setor turístico - envolvendo não só hotelaria, mas toda a gama de bens e serviços da cidade que se beneficia do aumento da demanda turística, antes, durante e após o evento; e aqueles setores que ganham com a preparação do evento, como as grandes empreiteiras, empresas de propaganda e marketing, escritórios de arquitetura, urbanismo e engenharia, empresas de segurança e comunicação, consultorias de forma geral. A realização da Olimpíada no Rio será tão mais uma alavanca do desenvolvimento, tanto mais quanto os setores envolvidos com sua preparação sejam socialmente vinculados à cidade. Porque, na preparação dos mega-eventos, nada indica que empreiteiras, empresas de propaganda e marketing, escritórios de arquitetura, urbanismo e engenharia, empresas de segurança e comunicação e consultorias de forma geral, serão empresas locais. Ficamos sabendo hoje pelos tele jornais que o prefeito de Barcelona ao tempo das olimpíadas lá, foi contratado como consultor das olimpíadas aqui. Então, as olimpíadas do rio já geraram o primeiro emprego em Barcelona.

2) Para a abordagem do segundo aspecto que deve ser observado podemos partir de uma analogia dos mega-eventos com as Pirâmides Keynesianas. Muito simplificadamente, a idéia de uma Pirâmide Keynesiana é de realizar investimentos públicos para promover um aumento da demanda e assim impulsionar a economia. O ciclo desenvolvimentista militar fez isso e o PAC pretende o mesmo. Então, podemos estabelecer a hipótese de que a realização de um mega-evento possa atuar como uma forma de Pirâmide Keynesiana, mas aí vale a pena lembrar que a ponte Rio-Niterói foi uma Pirâmide Keynesiana, mas a Transamazônica também foi. Considerando essas duas situações, do investimento publico realizado decorreram dois resultados muito diferentes. Quanto as Olimpíadas, podemos imaginar, portanto, que dependendo do perfil do projeto a ser implementado, os resultados serão mais ou menos positivos no curto, médio e longo prazo e vão beneficiar mais a estes ou aqueles. Das grandes linhas, aos pequenos detalhes, tudo fará diferença: a localização; o programa e dimensionamento dos equipamentos; a escolha dos materiais de acabamento; a política de segurança, tudo fará diferença.

Para mim, aí está o principal problema dessa história: acho que a sociedade carioca participou e esta participando muito pouco do debate sobre o projeto Olímpico e o conhece muito pouco. E não por sua culpa, mas por falta de mecanismos democráticos de participação.

Algo a Dizer - Em sua opinião, Carlos Arthur Nuzman - o cartola do COB e o "cartola-interlocutor" com os cartolas do COI - deve centralizar todas as decisões sobre as Olimpíadas no Rio? Ou deveria se submeter às decisões do Ministério do Esporte? Ou ainda, às metas do Ministério do Turismo, do Planejamento ou da Fazenda?
Leonardo Mesentier - Pois é como eu disse, o problema é tornar a gestão do projeto olímpico a mais democrática possível e hoje estamos longe disso. É claro que a dinâmica do evento esportivo tem suas exigências e estás tem que ser respeitadas. Nesse sentido, é importante ter interlocutores adequados para condução do debate. Também é claro que diferentes esferas de poder devem contribuir da melhor forma no sentido de uma gestão compartilhada do evento, mas é preciso democratizar esse processo e permitir que as forças vivas da cidade participem diretamente desse processo. Se somos nós, os cidadãos, quem vamos pagar, então que sejamos ouvidos sobre todos os aspectos do projeto.

Algo a Dizer - Outra preocupação é com a "roubalheira generalizada". Nos Jogos Pan-americanos de 2007 foi uma vergonha. Quem cuida do planejamento financeiro para o Rio 2016? Como vão ser as prestações de contas para o Comitê Olímpico Internacional (COI)? Quem vai montar a 'equipe' que vai cuidar do dinheiro para as Olimpíadas?
Leonardo Mesentier - Sem prejulgar ninguém, em vista do montante do recurso a ser empregado, acho que quanto mais transparência melhor. Nesse sentido, acho que no caso das Olimpíadas do Rio de janeiro, se aplica a experiência já realizada pelo PT em algumas cidades: a do orçamento participativo. Orçamento participativo para as olimpíadas, aí está uma boa bandeira de luta para quem queira ver respeito ao dinheiro público e o melhor futuro para a cidade.


O Legado

Algo a Dizer - Qual o destino das obras que ficarão para depois dos Jogos? [dos Pan-americanos 2007, o Maria Lenk (natação) tornou-se obsoleto; o Engenhão (futebol) foi 'alugado' para o Botafogo, mas é um estádio onde vão poucas pessoas por causa do difícil acesso, etc.]. Ainda, você vê alguma chance de os equipamentos urbanos construídos para as Olimpíadas não se transformarem em elefantes brancos? Não custa lembrar a furada em que se meteu quem se atirou a comprar apartamentos da Vila Olímpica, no Pan...
Leonardo Mesentier - Sim, é possível que os equipamentos olímpicos não se tornem elefantes brancos após jogos, mas isso implicaria em que o projeto a partir do qual esses equipamentos venham a ser projetados e construídos, levasse em conta sua inserção urbana e fizesse parte de uma política de expansão das atividade de esporte e lazer na cidade. Isso não existiu no caso do Pan e se não vejo existir até aqui.

O projeto de expansão do lazer esportivo, que contribui para a melhoria das condições de saúde e para a melhor sociabilidade na cidade, não pode estar subssumido ao projeto olímpico. Ele deve dialogar e pode convergir no sentido do projeto olímpico, mas não desaparecer ou se subordinar.

Algo a Dizer - O Rio, quando cresce ou se "reurbaniza", como gostam de dizer os históricos limpadores de pobre da cidade, costuma refinar também os seus processos de exclusão social. Você crê que haverá uma política efetiva de desenvolvimento urbano, 'alavancada' pelas Olimpíadas, que aglutine e não crie novos nichos, novos focos de exclusão, principalmente depois das olimpíadas do Rio em 2016? Qual o ganho humano e social para as comunidades carentes cariocas, abundantes geográfica e historicamente?
Do ponto de vista de equipamentos públicos, quais as regiões que deveriam ser priorizadas e/ou melhor aproveitadas?
Leonardo Mesentier - O Rio de Janeiro é uma cidade cara ao coração e ao bolso de quem vive aqui. O metro quadrado dos imóveis se coloca entre os mais caros do Brasil e em algumas regiões entre os mais caros do mundo. As olimpíadas vão valorizar ainda mais o solo urbano; ou melhor, já valorizaram a cidade do ponto de vista imobiliário. A noticia do evento olímpico gerou um surto especulativo na cidade e, acredito, nesse momento estamos sem parâmetros de longo prazo para os preços imobiliários. Tudo isso deve acentuar a segregação social no território metropolitano.

Mas vale acentuar que uma maior ou menor alteração dos valores atuais dos imóveis vai depender também da alocação dos equipamentos nas cidades e de sua integração pós-olímpica; isto é, do quanto esses equipamentos vão propiciar esporte e lazer a população após os jogos. Ser vizinho de um bom equipamento esportivo integrado ao cotidiano de esporte e lazer da cidade é ótimo. Ser vizinho de um elefante branco é péssimo. Certamente que as expectativas geradas durante a construção do "Maria Lenk" propiciaram uma valorização especulativa de imóveis na sua vizinhança, mas estando este equipamento nas condições em que está atualmente, ele valoriza ou desvaloriza sua área da vizinhança?

Assim, quando pensamos no ganho social com o projeto olímpico, devemos levar em conta não só a geração de renda e emprego, decorrente da realização do evento e de seus desdobramentos econômicos, mas também a presença ou não, de um sentido de promoção de uma maior equidade urbana, na concepção do projeto olímpico. E como acho que cada um sabe onde lhe aperta o calo, volto a insistir na necessidade de uma participação direta dos cidadãos no projeto olímpico, o que poderá se dar através de mecanismos semelhantes aos do orçamento participativo.

Algo a Dizer - O que o entrevistado pensa sobre a situação de desvelada precariedade dos aeroportos nacionais, meios e logística de transportes para receber tão denso contingente sazonal?
Leonardo Mesentier - O sistema de transporte é um dos pontos fracos da cidade e algo terá que ser feito. Basta ver o que acontece no metro no carnaval e no réveillon para saber que, se quisermos que aqueles turistas que aqui virão para as olimpíadas retornem e/ou transmitam uma boa imagem do Rio em seus locais de origem, muitas mudanças há de haver.

Mas não é preciso esperar as olimpíadas para tomar uma providencia quanto ao que sabemos que não vai bem. As dificuldades que a oferta precária de transporte causa ao Rio constrangem o desenvolvimento da cidade hoje. Basta pensar no impacto, sobre a produtividade urbana o meio ambiente, decorrente da maior circulação de automóveis em função da precariedade do transporte público. Ou, no quanto perde a Lapa e toda a economia relacionada a vida noturna na cidade, em decorrência do metro parar de funcionar a meia noite.

Algo a Dizer - Qual o maior legado que a Olimpíada pode gerar para o Rio na área da Cultura?
Leonardo Mesentier - Acho que o maior legado cultural da olimpíada diz respeito a auto-estima de cariocas e brasileiros. A conquista desse mega-evento mudou olhar de brasileiros, fluminenses e cariocas sobre si mesmos. O reconhecimento do mundo propiciou o auto-reconhecimento. Acho que é sempre assim: os outros são o espelho que mais consideramos.

O que é importante é que esse processo de auto-valorização permite recolocar os horizontes dos projetos sociais que essas coletividades admitem para si. Essa mudança não só permite pensar numa melhor inserção no sistema nacional e global, como permite nos livrar de algumas condenações ideológicas que impingimos a nós mesmos. Frases como o Brasil não tem jeito ou Rio não tem jeito ficaram mais difíceis de dizer e, portanto, abre-se um conjunto de oportunidades de reconstrução dos horizontes políticos.

Algo a Dizer - Em sua opinião como a Cultura pode contribuir para integrar a cidade, num contexto de superexposição dos grandes eventos como a Copa 2014 e a Olimpíadas 2016? Qual o papel do Estado e qual o papel da sociedade civil?
Leonardo Mesentier - As olimpíadas são antes de tudo um mega-evento turístico e o setor turístico tem fortes sinergias com economia da cultura. A Lapa é uma evidencia do que estou dizendo. Quem vier ao Rio para as Olimpíadas vai gostar da cidade pelas praias, pela paisagem; mas também pelos museus e rodas de samba. Assim, quanto se pensa na preparação da cidade para Olimpíadas ou Copa do mundo, não se pode 'secundarizar' o cuidado com equipamentos e manifestações culturais.

Acho que, no Brasil, temos atualmente uma boa distribuição das ações entre estado e sociedade civil na política cultural.

Na sociedade civil temos assistido uma valorização significativa das expressões da identidade brasileira e regional, bem como um reconhecimento da importância da diversidade cultural, ainda que certos preconceitos sobrevivam.

No âmbito do Estado, nos últimos anos avançamos bastante em recursos materiais e humanos. No entanto, é preciso superar certa miopia na construção da relação entre projeto nacional e projeto cultural. Vale indicar também que a pouca compreensão das especificidades da cultura resulta em um pragmatismo que ao priorizar o curto prazo constitui-se em desgraça no médio prazo, implicando numa perda muito significativa de recursos culturais, e trazendo danos, muitas vezes, a signo diversidade.

Algo a Dizer - Que meios haverá em sua área para aprimorar olhares sobre a verdadeira arquitetura nacional?
Leonardo Mesentier - Pois bem, a arquitetura um dos exemplos de miopia em política cultural. Se você analisa as políticas culturais, seja na esfera federal, estadual ou municipal, dificilmente você encontrará menção a produção arquitetônico-urbanística e sua relevância como um serviço contemporâneo de ponta, passível de exportação. Qualquer historiador da arquitetura brasileira sabe que a arquitetura brasileira não teria alcançado o prestigio internacional que alcançou, nos anos 1950 e 60, sem a construção do MEC (atual Palácio Capanema), no Rio, e da Pampulha em BH.

Mas os atuais governantes preferem contratar escritórios internacionais de nomeada à promover concursos nacionais. Pessoalmente, acho que os arquitetos brasileiros têm certa responsabilidade nisso, pois na sua grande maioria estão mais voltados para a última moda da "globanilização" que envolvidos com os movimentos culturais nacionais, diferentemente dos modernistas de outrora que, sem duvidas estavam antenados no mundo, mas tinham seu espírito fortemente vinculado as questões da cultura nacional.

Agora mesmo estamos assistindo a contratação de um projeto estrangeiro, para os MIS (Museu da Imagem e do Som) em Copacabana. Porque esse projeto não foi resultado de um concurso público aberto a ampla participação dos arquitetos brasileiros. Então, Copacabana se beneficia mais que outros bairros, porque as externalidades positivas decorrentes da nova sede incidem mais por lá, mas é claro que o Rio de Janeiro ganha as melhores instalações pro MIS, pelas quais pagou. Mas o escritório de arquitetura estrangeiro ganha também.


Segurança

Algo a Dizer - Gostaria de saber como as políticas públicas, principalmente da parte da segurança, resolverão a vida dos atletas e outros visitantes das Olimpíadas. Estes todos ficarão numa espécie de "gueto", não podendo, assim, visitar ou vislumbrar as maravilhas do Rio de Janeiro? É claro que muitos querem estar com total segurança, respeito e integridade física durante o período anterior e após a realização das Olimpíadas. Contudo, até que ponto esta segurança, respeito e integridade serão observados? Pode-se garantir de que não haverá perdas de vidas de visitantes que chegarão ao Rio de Janeiro?
Leonardo Mesentier - Escrevi no passado e repito agora: a cidade é boa para o turista quando é boa para o cidadão. Sendo assim, não creio que se possa garantir ao turista uma situação de segurança melhor do que a dos que vivem aqui. Não creio em política de segurança de gueto, porque na medida em que a sensação de segurança se estabelece a tendência é de que alguns turistas procurem ir mais longe. Assim, as condições de segurança para os turistas serão mais ou menos as mesmas de outros mega-eventos que a cidade já realiza como, por exemplo, o carnaval. De toda forma, não se pode deixar de mencionar que as estatísticas apontam para uma melhora nas condições de segurança na cidade e, quero crer, a perda de controle territorial de traficantes sobre áreas da cidade vai resultar em alguma melhoria na segurança pública, mas não espero milagres.

Algo a Dizer - Como em Olimpíadas anteriores, em Munique e Atlanta, por exemplo, atentados com trágicas conseqüências são ocorrências factuais. O que o entrevistado pensa sobre o despreparo de um país como o Brasil, sem essa tradição no currículo, para edificar medidas de prevenção e controle do terrorismo internacional?
Leonardo Mesentier - Considerando que os EEUU dispõem do maior aparato de espionagem e vigilância do mundo e não conseguiram evitar a tragédia do '11 de setembro', então não posso supor que existam garantias absolutas contra o terrorismo, mas creio que o Brasil tem a seu favor o fato de não termos constituído elementos de rancor político e no atual momento estamos nos pautando por uma melhora na tolerância religiosa, étnica e ideológica. O que torna menos provável uma ação terrorista nas olimpíadas que realizaremos.

contato@algoadizer.com.br