Se o indivíduo comprasse a Mona Lisa de Da Vinci e, ao chegar em casa, descobrisse que a moldura que ele tem para expô-la é menor que a tela pintada por Leonardo, qual seria a melhor opção: corta um pedaço da Mona Lisa ou comprar uma nova moldura? Se o individuo conhecesse um pouco de arte, nem que só pelo valor econômico, preferiria comprar uma nova moldura.
No entanto, quando se trata do patrimônio histórico-cultural brasileiro, o mais das vezes, o que se tem preferido fazer é “cortar a Mona Lisa”. Não importa se um estádio de futebol, um parque público ou um conjunto urbano, no caso do patrimônio, muitas vezes a escolha infeliz de alguns gestores públicos e proprietários de bens tombados tem sido essa: “cortar a Mona Lisa”.
Umberto Eco sugere que para se saber se um objeto é uma obra de arte, deve-se verificar se a forma é mais importante que a função, se for é obra de arte. A condição de patrimônio, do mesmo modo, torna indica que para os bens patrimoniais, a forma mais importante que a função. Como propõe a teoria da restauração, nas edificações patrimoniais o uso deve se adequar a forma e não ao contrário. A restauração, como método de intervenção em obras de arte, se constituiu e desenvolveu justamente porque proprietários de obras valiosas queriam preservar a riqueza incorporada à forma do objeto.
Quando os proprietários buscavam a completa destruição do imóvel tombado para explorar o potencial construtivo do terreno, cometiam uma violência contra a cultura, mas em nome da lucratividade do negócio. No entanto, contemporaneamente, o que se vê são reformas que mutilam edificações tombadas, onde os resultados econômicos são duvidosos, quando considerados em relação ao valor que a integridade do objeto patrimonial pode agregar ao valor da edificação. Pior ainda acontece em áreas urbanas, onde cada investidor promove descaracterizações no seu imóvel, contando com a preservação do imóvel do vizinho.
Em um mundo onde a tecnologia tornou-se capaz de reproduzir em massa qualquer objeto e onde a reprodutibilidade técnica e os meios de comunicação de massa banalizam os produtos culturais, os bens irreprodutíveis, produtos de circunstancias históricas e culturais especiais, a cada dia adquirem mais valor. Apesar de milhares de reproduções da Mona Lisa, disponíveis na internet, pessoas do mudo todo continuam se deslocando para conhecer a pintura original.
Exatamente por escapar à lógica da produção em massa e do produto cultural reprodutível e de fácil veiculação pelas mídias, que as áreas urbanas e edificações de valor histórico-cultural se tornaram o objeto do desejo da sociedade contemporânea. Então, a gosto ou a contragosto, a gestores públicos e investidores privados voltam suas as ações para essas áreas e edificações.
Porém, em muitos casos, parece que o fazem sem entender bem o que está acontecendo. Querem implantar suas atividades em bens de valor patrimonial, mas propõem reformas que descaracterizam as edificações, ou porque buscam dar um “ar de novidade” ao bem patrimonial.
Em um mundo onde uma das estratégias centrais para a comercialização de produtos industriais é a da obsolescência planejada e, a cada ano, novidades tecnológicas e de designer (culturais) são lançadas no mercado, com o apoio maciço de propaganda, buscando tornar-se objeto do desejo, nas elites consumistas a apreciação da novidade se constitui num habitus, se entendermos que o que Bourdieu chama de habitus remete aos esquemas de ação e pensamento, às disposições para sentir, pensar e agir decorrentes da existência, no mundo social, de certa capacidade de determinada estrutura e de sua dinâmica ser incorporada pelos agentes, orientando e condicionando ações, bem como representações e identidades de grupos sociais específicos.
Mas é preciso considerar que o desejo por bens patrimoniais surge justamente como resposta ao massacre cultural das novidades e a sensação de instabilidade que essa avalanche constante de atualizações produz nos indivíduos.
A potencialidade contida no patrimônio, no Rio de Janeiro ajudou a revitalizar a área central e vem revitalizando muitas cidades históricas pelo Brasil. Essa potencialidade, no entanto, está ameaçada por gestores públicos e investidores, que envolvidos pelo “o habitus da novidade”, não percebem que o que cada vez mais é desejado, no mundo contemporâneo, é patrimônio histórico-cultural secular e não a “novidade efêmera”; ou porque alguns operam segundo a lógica econômica míope do “puxadinho”. Como se pudessem aumentar o valor da obra, contratando um pintor, até mesmo um pintor de parede, para ampliar a Mona Lisa.
Essa postagem foi motivada pelo artigo: http://www.bomsera.com.br/cidades/224-salvemos-ouro-preto.html
Colagem: Thales Mesentier
No entanto, quando se trata do patrimônio histórico-cultural brasileiro, o mais das vezes, o que se tem preferido fazer é “cortar a Mona Lisa”. Não importa se um estádio de futebol, um parque público ou um conjunto urbano, no caso do patrimônio, muitas vezes a escolha infeliz de alguns gestores públicos e proprietários de bens tombados tem sido essa: “cortar a Mona Lisa”.
Umberto Eco sugere que para se saber se um objeto é uma obra de arte, deve-se verificar se a forma é mais importante que a função, se for é obra de arte. A condição de patrimônio, do mesmo modo, torna indica que para os bens patrimoniais, a forma mais importante que a função. Como propõe a teoria da restauração, nas edificações patrimoniais o uso deve se adequar a forma e não ao contrário. A restauração, como método de intervenção em obras de arte, se constituiu e desenvolveu justamente porque proprietários de obras valiosas queriam preservar a riqueza incorporada à forma do objeto.
Quando os proprietários buscavam a completa destruição do imóvel tombado para explorar o potencial construtivo do terreno, cometiam uma violência contra a cultura, mas em nome da lucratividade do negócio. No entanto, contemporaneamente, o que se vê são reformas que mutilam edificações tombadas, onde os resultados econômicos são duvidosos, quando considerados em relação ao valor que a integridade do objeto patrimonial pode agregar ao valor da edificação. Pior ainda acontece em áreas urbanas, onde cada investidor promove descaracterizações no seu imóvel, contando com a preservação do imóvel do vizinho.
Em um mundo onde a tecnologia tornou-se capaz de reproduzir em massa qualquer objeto e onde a reprodutibilidade técnica e os meios de comunicação de massa banalizam os produtos culturais, os bens irreprodutíveis, produtos de circunstancias históricas e culturais especiais, a cada dia adquirem mais valor. Apesar de milhares de reproduções da Mona Lisa, disponíveis na internet, pessoas do mudo todo continuam se deslocando para conhecer a pintura original.
Exatamente por escapar à lógica da produção em massa e do produto cultural reprodutível e de fácil veiculação pelas mídias, que as áreas urbanas e edificações de valor histórico-cultural se tornaram o objeto do desejo da sociedade contemporânea. Então, a gosto ou a contragosto, a gestores públicos e investidores privados voltam suas as ações para essas áreas e edificações.
Porém, em muitos casos, parece que o fazem sem entender bem o que está acontecendo. Querem implantar suas atividades em bens de valor patrimonial, mas propõem reformas que descaracterizam as edificações, ou porque buscam dar um “ar de novidade” ao bem patrimonial.
Em um mundo onde uma das estratégias centrais para a comercialização de produtos industriais é a da obsolescência planejada e, a cada ano, novidades tecnológicas e de designer (culturais) são lançadas no mercado, com o apoio maciço de propaganda, buscando tornar-se objeto do desejo, nas elites consumistas a apreciação da novidade se constitui num habitus, se entendermos que o que Bourdieu chama de habitus remete aos esquemas de ação e pensamento, às disposições para sentir, pensar e agir decorrentes da existência, no mundo social, de certa capacidade de determinada estrutura e de sua dinâmica ser incorporada pelos agentes, orientando e condicionando ações, bem como representações e identidades de grupos sociais específicos.
Mas é preciso considerar que o desejo por bens patrimoniais surge justamente como resposta ao massacre cultural das novidades e a sensação de instabilidade que essa avalanche constante de atualizações produz nos indivíduos.
A potencialidade contida no patrimônio, no Rio de Janeiro ajudou a revitalizar a área central e vem revitalizando muitas cidades históricas pelo Brasil. Essa potencialidade, no entanto, está ameaçada por gestores públicos e investidores, que envolvidos pelo “o habitus da novidade”, não percebem que o que cada vez mais é desejado, no mundo contemporâneo, é patrimônio histórico-cultural secular e não a “novidade efêmera”; ou porque alguns operam segundo a lógica econômica míope do “puxadinho”. Como se pudessem aumentar o valor da obra, contratando um pintor, até mesmo um pintor de parede, para ampliar a Mona Lisa.
Essa postagem foi motivada pelo artigo: http://www.bomsera.com.br/cidades/224-salvemos-ouro-preto.html
Colagem: Thales Mesentier