O patrimônio se constitui em um suporte da memória, tanto da
memória inter geracional, aquela que é transmitida entre gerações, como da
memória afetiva imediata dos grupos sociais, o que tem relação com o lugar dos
grupos sociais na estrutura social e com o tipo de mudança que os processos
sociais vão impondo a esses grupos, com quadros de perdas para uns e ganhos
para outros. Assim, o mesmo suporte da memória (bem ou prática social tornada patrimônio)
pode representar diferentes afetos para
diferentes grupos sociais.
O Cais do Valongo, por exemplo, evoca a escravidão e todo o
sofrimento imposto aos que foram escravizados, sequestrados em sua terra de
origem e colocados para trabalhar pelo uso da força e da violência, sem garantias
dos direitos as liberdades mais simples do cotidiano, como, por exemplo,
constituir família e mantê-la junto a si. Um filho ou marido ou esposa, podiam
ser vendidos a vontade do senhor.
Naturalmente, grupos vinculados aos afro descentes e grupos
vinculados aos escravocratas, tem diferentes perspectivas em relação ao Cais do
Valongo e do quanto ele deve ser promovido, reconhecido e apropriado como patrimônio,
pela sociedade.
As áreas urbanas de valor patrimonial, ocupadas por um
determinado grupo social, que passou por uma expressiva mudança em sua situação
social, tendem a também, por isso a conter certa polissemia, isto é, uma
multiplicidade de significados associados a elas. Para toda a sociedade
representam, formalmente, “o patrimônio”; para os grupos que ali viveram
processos de ascensão social, ou decadência, representam um lugar de memória da
prosperidade ou da dor.