“Em cena, o movimento citadino,
com fundo de capitalismo em crise, e um perfil sombreado. A distância, como um
eco, vozes de uma nova linguagem.” Manuel Castells.
Na opinião de muitos intelectuais e das grandes mídias, a
novidade dessas mobilizações foi terem sido organizadas e convocadas através de
redes sociais. Mas será que as redes sociais só tiveram um papel importante no
processo de mobilização e convocação das manifestações, ou também é possível
identificar nas redes sócias uma relevante atuação na construção da
insatisfação social, que está na base das manifestações?
Na sociedade contemporânea, as redes sociais estão se
constituindo num novo e importante elemento da esfera pública, tal com sugerida
por Habermas (1984). A esfera pública - onde estão
presentes as atuações das grandes mídias, dos partidos políticos, de
instituições do setor público, dos organismos da sociedade civil e das
personalidades e estruturas acadêmicas - está sendo dinamizada e reestruturada,
por esse novo elemento: as redes sociais articuladas pela internet que, como
água, em penetram, as vezes de forma explicita, as vezes de forma invisível, em
todos os entes da esfera pública, levando e trazendo, ideias e informações. Nesse
sentido, as redes sociais estão se constituindo num vetor importante da
definição social do que seja o interesse público.
“Segundo o Ibope Media, somos 94,2 milhões de
internautas tupiniquins (dezembro de 2012), sendo o Brasil o 5º país mais
conectado (do mundo). De acordo com a Fecomércio-RJ/Ipsos, o percentual de
brasileiros conectados à internet aumentou de 27% para 48%, entre 2007 e 2011.
O principal local de acesso é a lan house
(31%), seguido da própria casa (27%) e da casa de parente de amigos, com 25%
(abril/2010).” (Fonte: http://tobeguarany.com/internet_no_brasil.php)
Se a urbanização se materializa também no desenvolvimento de
um sistema de transporte e comunicação, a internet, pelo seu impacto sobre os
processos comunicacionais, representa em si mesma, um novo momento do processo
de urbanização da vida social. A internet já é um dos elementos da nova cidade
e está determinando o processo de construção das vontades e desejos que vão
construir a nova cidade.
Dentro desse processo, de insatisfação com a cidade atual e
de construção de um ideário de um imaginário sobre uma nova cidade, surge também
uma nova relação entre os intelectuais (na perspectiva que Gramsci (1982)
dá a essa palavra) e a esfera pública, pelo papel desempenhado pelas classes
médias universitárias na internet. Nas redes sociais e em blogs, a classe média
universitária, as academias e organizações profissionais, apresentam de maneira
formal e informal, cotidianamente, comentários, análises e críticas, sobre
políticas publicas e atuação dos governos, mantendo um diálogo permanente,
direto ou mediado, com os movimentos sociais organizados e com a sociedade, de
forma geral.
Nas internet opera um exército invisível de analistas e
redatores com origem nas camadas universitárias, que influenciam os sentimentos
coletivos produzindo ideias, teorias, representações de identidade, imagens e
símbolos. Nesse sentido, a internet ‘empoderou’ as camadas médias
universitárias e isso talvez explique o processo de perda de popularidade dos
governos, que antecede as mobilizações, mas aumenta significativamente a partir
das manifestações de junho.
Os recentes avanços sociais no Brasil, não se refletiram direta
e concretamente na vida dos trabalhadores das camadas universitárias: nas
ultimas décadas, enquanto o emprego aumentava, para quem ganha até dois
salários mínimos; diminuía para quem ganha acima desse valor (Fonte: http://www.oim.tmunicipal.org.br/?pagina=detalhe_noticia¬icia_id=39092);
“enquanto uma família chefiada por analfabeto teve um ganho de 88,6% na renda per
capita nos últimos 10 anos (2001 a 2011), em uma família cujo chefe era uma
pessoa com 12 anos ou mais de estudo, o rendimento caiu 11,1%” (fonte: http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=/pais/protestos-nas-ruas-nao-sao-feitos-pelos-mais-pobres-diz-ministro-8833255
)
Nada indica que os processos de melhoria do emprego e da
renda nas camadas mais pobres e com menos anos de estudo, precise implicar,
necessariamente, em redução da renda nas camadas de renda média e com mais anos
de estudo. Essa é uma característica específica do modelo econômico em curso,
que já dá sinais evidentes de esgotamento. Dadas as novas condições de
constituição da esfera pública, um novo modelo terá que surgir e será produto
de uma construção política, num ambiente que já incorpora um novo papel das
camadas médias universitárias na esfera pública.
OBS: Também sobre
internet e manifestações ver o ensaio: “Estados da consciência social:
urbanização, internet e redes sociais”, que publiquei no Jornal Algo a Dizer no
link: http://www.algoadizer.com.br/edicoes/materia.php?MateriaID=1084
Bibliografia:
CASTELLS, M. “Cidade, democracia e socialismo.” Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
GRAMSCI, A. “Os intelectuais e a organização da
cultura.” 4ªEd. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
HABERMAS, J. “Mudança estrutural da esfera pública.”
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.