Por Clarissa Moreira _ Prof
Adjunta da EAU-UFF
Visita
à Marechal Hermes, ontem (13 de abril de 2012),
com estudantes. Como chamam os locais – entre os quais eu me enquadro -
Marechal é uma espécie de laboratório urbanístico da cidade clássica e da
moderna. Mas conheço o bairro, antes de
mais nada, como frequentadora da casa de meus avós paternos. Sempre gostei de
passar por lá ou de lá ir, efetivamente. Há algum tempo não retornava.
Houve
mudanças, mas nada que tenha traído ou afetado, de forma inapelável, as
qualidades do bairro. Após breve perambulação entre a estação de trem e o
Teatro de Reidy, conversamos sobre as necessidades principais da região com um
morador atuante na área politico-cultural.
A
divisão inexorável dos bairros pela linha do trem é, certamente, o tema entre
os mais desafiantes, ricos, quase poético para urbanistas. Mas ali descobri
que, além disso, é mesmo prioritário. Além de ter sido feito apenas um lado de
uma rampa de acesso a deficientes físicos (que aliás não existe mais), os
moradores «contam» com o «buraco» pelo qual se atravessa quando não se pode ou
não se deseja subir mais de 10 metros de escadaria, como única via alternativa.
Trata-se de um acesso, pelo que se soube, originalmente restrito à Cedae, para
contato com o rio poluído e fétido que ali passa, escondido sob a via férrea.
Passamos
entre este rio sob nossos pés e a linha do trem sobre nossas cabeças. Um deles
(rápido e não parador) atravessou o buraco exatamente na hora: proteção zero,
barulho ensurdecedor, experiência estética apocalíptica fantástica mas, que,
repetida todos os dias, deve ser um pouco desagradável.
Já na
estação estreita, os trens passam muito rápido, não reduzem, como se faz na
maioria das estações em outros cantos do mundo. A sensação para os
desacostumados é de uma guerra, de um ataque à integridade do frágil corpo
humano. Os «habituês» sem dúvida já se fortaleceram e ririam se soubessem (ou
riram).
Não
falaria sobre o assunto tão rapidamente se no trem não tivesse sido
surpreendida pela campanha da SUPER VIA: Respeito, Gentileza e Educação.
Explicação da própria empresa:
Sem me
alongar e sem maiores análises merecidas,
pensei que se deveria convidar os gestores da Super Via a passar - não
necessariamente suas vidas inteiras, como tantos cariocas - mas apenas uma
semana, que seja, indo e voltando de pontos distintos da linha em horários de
pico, tentando sair dali e ir para algum outro ponto no bairro, atravessando,
por exemplo, o «buraco» sob a linha do trem (existem outros em outros bairros).
Isto sem falar na super-lotação. Depois desta semana, gostaria que se voltasse
a pensar em educação, respeito e gentileza de forma mais ampla, onde o usuário
seja visto não como um sub-cidadão a educar, mas como um cidadão desrespeitado
cotidianamente pela cidade, certamente desde seu nascimento, e provavelmente
até a sua morte.
Aqui
vai minha solidariedade aos moradores deste e de outros bairros - bairros que,
de modo absolutamente sintomático de um verdadeiro crime urbano, se costuma
chamar «subúrbio», mas que não possuem menos qualidade ou mais «suburbanidade»
ou problemas que outros bairros da cidade, a não ser dado o desgoverno, o
desrespeito e a desigualdade de tratamento pelo poder público (ou seja, pelos
cariocas habitantes de outros bairros!). Verdadeiros guerreiros da saga da
metrópole que guardam sorriso, humor e um desapego que poucos budistas obtem
após anos de treinamento, e se não guardam, quem há de jogar a primeira pedra?
O
pouco caso que governa cidade, estado e país é ainda grande - e seus
representantes permanecem desinteressados em oferecer um sistema de transporte
digno aos cariocas, mas não tem vergonha de pedir a estes que observem regras
de conduta que a própria empresa e governos, historicamente, ignoram. No
entanto, vale a visita à Marechal e vale utilisar os trens cariocas (permanecem
uma alternativa de transporte mil vezes melhor que o engarrafamento e os
ônibus) e reinvidicar maior civilidade, sim, mas, antes de mais nada
transformando o trem e a cidade em algo mais respeitoso, educado e gentil.
“Respeito,
Gentileza e Educação são bons e todo mundo gosta. Por isso, a SuperVia promove,
a partir da próxima semana, uma campanha educacional com o objetivo de alertar
os passageiros sobre algumas regras da boa convivência nos trens e nas
estações” ( fonte: http://www.supervia.com.br/blog/?p=551)